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domingo, 27 de março de 2022

NERO E O INCÊNDIO DE ROMA


Nero é um imperador romano conhecido pelas piores razões. Na cultura popular é retratado como o monstro que mandou incendiar Roma por puro capricho. Na atualidade alguns historiadores disputam esta visão, que foi firmada pelos escritos de Tácito, Suetónio e Dião Cássio, que o descreveram quase sempre de forma desfavorável. 

"Tinha uma altura média, o corpo marcado com cicatrizes e um odor desagradável, o cabelo ligeiramente dourado. A sua saúde era boa, embora se tivesse envolvido numa série de excessos descomunais, só esteve doente três vezes durante os 14 anos do seu reinado." Suetónio, As Vidas dos Doze Césares

 

Reconstituição artística de Nero, pelo projeto Césares de Roma


Nero Cláudio César Augusto Germânico nasceu a 15 de dezembro de 37 , em Antium, uma pequena cidade portuária na planície do Lácio. O seu pai foi Cneu Domício Enobarbo, descendente de uma prestigiada família romana. Apesar da eminência social do pai, foi o ramo materno que o conduziu aos meandros do poder. Agripina era filha de Germânico, irmã de Calígula e neta de César Augusto.

O reinado de Nero começou bem. O imperador ofereceu generosos donativos à guarda pretoriana e prometeu regressar a uma governação baseada nos princípios de Augusto: o senado obteria um papel mais relevante na governação e existiria maior liberdade para expor opiniões e ideias políticas. Apesar da aparente moderação do imperador, muitos senadores não se conformaram com a afastamento de Britânico, filho do anterior imperador Cláudio, que viam como legítimo sucessor. Foi sem grande surpresa que em 55 Britânico foi envenenado num banquete presidido e organizado pelo próprio Nero. Após a neutralização da seu principal adversário político, Nero consolidou o seu poder como imperador, contava apenas 17 anos de idade.


"Agripina coroa Nero" (Museu de Afrodísias, Turquia)


Na continuação da onda de assassinatos por si desencadeada, o mais famoso ocorreu quando mandou executar a própria mãe Agripina, por suspeitas de esta querer governar através de si. Segundo as crónicas, o imperador convidou a mãe para um passeio em alto-mar, no qual simulou um acidente que atirou Agripina borda fora. No entanto, a mãe de Nero era uma excelente nadadora e conseguiu alcançar a costa, o que levou o imperador a mandar a sua guarda pessoal acabar o serviço.

Aos assassinatos juntaram-se escândalos pessoais de teor sexual e conjugal. Em 58, Nero apaixonou-se por Popeia Sabina, uma mulher de beleza ímpar segundo os relatos da época. Popeia era casada com Marco Otão, um dos senadores mais próximos de Nero, que viria também ele a ser imperador. Nero afastou Otão com um cargo de governador na Lusitânia e desenvolveu uma relação sexual com Popeia, iniciando de imediato um plano para se divorciar da sua mulher Octávia, com a justificação de que esta seria estéril. A paixão de Nero e a gravidez de Popeia Sabia não impediram o imperador de pontapear a sua amada até à morte em 63, num acesso de fúria na sequência de uma discussão familiar.

O culminar da brutalidade de Nero terá sido o incêndio de Roma, em 64. Um acontecimento que gera polémica entre historiadores mas que fontes da época (Suetónio e Dião Cássio) apontam Nero como responsável. O incêndio começou no Circo Máximo e rapidamente se propagou por toda a cidade, durando cinco dias e provocando milhares de mortos. Porém, o relato de que o imperador tocava lira enquanto Roma ardia não passa de um mito. É sabido que Nero não se encontrava em Roma no decorrer do incêndio. O imperador estava em Antium e regressou quando tomou conhecimento da dimensão da catástrofe. Apesar da sua ausência, todas as suspeitas recaíram sobre Nero que alegadamente quereria libertar terrenos na capital para construir a luxuosa Casa Dourada. Para dissipar as suspeitas, Nero acusou os cristãos e aproveitou a aproximação dos Jogos Olímpicos para realizar uma viagem à Grécia e afastar as atenções.


Frescos da Casa Dourada de Nero


Em 67, a relação do imperador com o senado deteriorou-se. Para reconstruir Roma foram lançados pesados impostos por todo o império que fizeram eclodir revoltas em várias províncias. Em 68, o governador Júlio Vindex da Gália Lugdunense liderou uma revolta mas foi derrotado pelos exércitos do Reno leais ao imperador. No mesmo período, o poderoso general Galba, governador da Hispânia, ganhou popularidade em Roma e muitos senadores apoiaram a sua pretensão ao trono.

Abandonado por todos, a guarda pretoriana deixou Nero à sua sorte, que viveu os seus últimos dias escondido, até se suicidar para não ser capturado pelos homens de Galba. O último imperador da dinastia júlia-claudiana morreu com apenas 30 anos.



Vicente Pulido Valente

sábado, 27 de março de 2021

BATALHA DE CANNAE: A MAIOR DERROTA ROMANA


Em cerca de 200 a. C. o mar Mediterrâneo era disputado pelas duas maiores potências da época: os romanos da Península Itálica e os cartagineses, centrados no que é atualmente território tunisino. A ambição de dominar a principal via marítima e comercial do Mundo Antigo vai ser a causa por detrás das três Guerras Púnicas, que culminaram com a destruição de Cartago e com a afirmação de Roma como potência hegemónica.  As Guerras Púnicas vão imortalizar figuras como Cipião Africano e Aníbal Barca, que são ainda hoje celebrados pelos seus feitos bélicos.  


Aníbal atravessa os Alpes, num fresco que integra a Sala de Aníbal do Palazzo dei Conservatori


A dimensão da bacia mediterrânea demonstrou ser demasiado curta para a ambição das duas principais potências do segundo século antes de Cristo, que procuravam afirmar-se em detrimento da outra como actor hegemónico na região. Durante alguns séculos, Cartago foi senhora do Mediterrâneo, usufruindo de uma marinha mercante bastante desenvolvida e do poder da sua armada, que era a mais forte do mundo conhecido. Além disso as possessões cartaginesas na Hispânia, Sicília, Sardenha e Córsega disponibilizavam uma enorme variedade de recursos alimentares e valiosos para trocas comerciais. Na província da Nova Cartago (actual Cartagena), a existência de minas de ouro fortaleceu a posição cartaginesa em relação à República Romana. 


Territórios Cartagineses no decorrer da 1ª Guerra Púnica

Numa fase inicial o principal objecto de rivalidade foi a ilha da Sicília e em particular a cidade de Siracusa, que constituiu um palco de guerra por mais de duas décadas. Entre  264-241 a. C. Roma e Cartago opõem-se na Primeira Guerra Púnica, da qual os romanos saem vencedores, impondo termos abusivos para aceitar a rendição de Cartago. Os derrotados perderam vários territórios e foram obrigados a pagar elevadassímas indemnizações para compensar o custo de guerra da República Romana. Naquele período, o Senado Romano pensou erradamente que a ruína económica de Cartago era suficiente para a sua subjugação, duvidando que a sua rival alguma vez recuperasse da situação em que se encontrava.

Nas três décadas seguintes, Cartago recuperou a sua pujança económica e mercantil, expandindo o seu império até às margens da próspera Hispânia e estabelecendo uma rede de cidades costeiras no sul do Mediterrâneo. Durante as campanhas de conquista na Hispânia contra Lusitanos e Celtiberos, emerge a figura de Aníbal Barca, um membro da casa reinante cartaginesa que moderniza os exércitos cartagineses, procedendo à incorporação de tropas de várias proveniências africanas e europeias. A  recuperação de Cartago e o fortalecimento dos seus exércitos fizeram soar os alarmes dos romanos, que esperavam ansiosamente por um pretexto para iniciar um novo conflito. A oportunidade surgiu quando o exército cartaginês de Aníbal saqueou uma cidade aliada de Roma, provocando uma declaração imediata de guerra por parte do Senado.


O episódio mítico do "Juramento de Aníbal", numa pintura de Benjamin West (1770)

Ao saber desta escalada das relações entre os dois países, Aníbal decidiu antecipar-se e levar o conflito ao território romano, atravessando os Alpes em pleno Inverno e entrando em Itália na Primavera de 217 a. C. No seguimento desta investida, o Senado Romano foi enviando sucessivos exércitos que seriam derrotados um a um por Aníbal, que ganhava uma aura de invencibilidade. Uns meses mais tarde, o exército cartaginês impôs uma enorme derrota às legiões romanas na Batalha do Lago Trasimeno. Desesperado, o Senado nomeia Quinto Fábio Máximo como cônsul e elege-o como comandante das legiões romanas com a missão de travar a todo o custo o avanço dos cartagineses.  Habituado a uma estratégia ofensiva, o Senado Romano rejeitou a estratégia do novo comandante que trocou o confronto directo por uma táctica de terra queimada e de pequenas escaramuças, com objectivo de desgastar e enfraquecer gradualmente as hostes inimigas.  

Apesar do sucesso inicial desta estratégia, a impaciência crescia entre os senadores, já que Aníbal não dava sinais de retirar. Neste sentido, resolvem retirar o poder a Quinto Fábio Máximo e nomear no seu lugar Lúcio Emílio Paulo e Caio Terêncio Varão. Com o propósito de esmagar de uma vez por todas o invasor cartaginês, Roma levanta um vasto exército de dez Legiões (cerca de 50 mil homens). Apesar da vantagem numérica a má relação entre os dois comandantes minou a unidade desta força militar. Consciente do génio táctico de Aníbal, Quinto Fábio Máximo defendia uma estratégia cautelosa, enquanto o inexperiente Varão apenas pensava em atingir a glória através de um ataque em força. 

No dia 2 de Agosto de 216 a. C. as tropas romanas prepararam-se para enfrentar os cartagineses. Posicionaram-se no habitual tabuleiro de xadrez, com os comandantes Varrão e Emílio Paulo a ocuparem as duas alas, deixando o comando do centro romano para Marco Atílio e Cneo Servílio Germino. Do lado oposto, Aníbal teceu o que se viria a revelar uma armadilha mortal, posicionando a sua vanguarda em semi-círculo, com a parte convexa a oferecer-se como um convite para o ataque directo das forças romanas.

 

Posição dos exércitos em batalha 


Nos flancos do exército cartaginês foi posicionada a cavalaria pesada, comandada por Asdrúbal Barca no flanco direito e por Hanão, filho de Bomílcar, no flanco esquerdo. No bloco central encontrava-se a infantaria gaulesa e líbia, reforçada com equipamentos capturados aos romanos em batalha anteriores. A este bloco central de infantaria seguiam-se duas alas constituídas por uma combinação heterogéneo de tropas ibéricas e celtas, treinadas pelos cartagineses e convertidas numa força eficiente e disciplinada. No momento inicial da batalha, os romanos procuram explorar aquilo que julgam ser um ponto fraco no exército cartaginês e atacam o centro em força, enquanto se esforçam por conter os flancos. Tal como Aníbal previu, o excesso de confiança dos romanos e a maior concentração de tropas no centro, favoreceram a realização da armadilha que tinha planeado.

Perante a colisão ao centro, as linhas cartaginesas fingem ceder terreno e simulam uma retirada, concentrando ainda mais as forças romanas que acreditam estar perto da vitória. Em rápida sequência, uma investida coordenada da cavalaria cartaginesa esmagou a cavalaria romana nos flancos, ao mesmo tempo que as tropas de elite cartaginesas escondidas por detrás das linhas do centro atacam os flancos da infantaria.  Neste momento o centro cartaginês que simulara uma falsa retirada, iniciou uma nova investida que foi apertando os romanos na zona central do campo de batalha, não dando espaço e tempo para que os romanos conseguissem reorganizar o posicionamento das suas tropas. O cerco hermético ficou selado quando a restante cavalaria cartaginesa atacou a retaguarda das legiões romanas e dando início a um massacre de várias horas que aniquilou todo o exército romano. No final do dia jaziam no campo de batalha cerca de 50 mil soldados romanos mortos.

    

A armadilha cartaginesa


O triunfo de Aníbal e dos cartagineses foi total. Nunca antes um exército tão numeroso fora aniquilado com tão poucas perdas (as baixas entre os cartagineses rondaram os seis mil). Seria necessário aguardar mais de um milénio pelos horrores de Verdun e do Somme na Primeira Guerra Mundial, para um confronto militar entre dois exércitos resultar num número tão elevado de perdas humanas.

Apesar da vitória esmagadora de Aníbal em Cannae, a falta de homens e de recursos nunca lhe permitiram realizar um ataque directo à capital romana, permanecendo por alguns anos em território italiano, sem conseguir nunca alcançar um desenlace definitivo ou levar o senado a render-se incondicionalmente.  Tirando proveito da estadia prolongada de Aníbal em Itália, os romanos fizeram incursões em território cartaginês, onde se notabiliza pela primeira vez a figura de Cipião Africano, que seria mais tarde o responsável pela derrota final de Aníbal em Zama. 


Bibliografia

" A Queda de Cartago" de Adrian Goldsworthy


Vicente Pulido Valente


segunda-feira, 15 de março de 2021

A ASCENSÃO DO PRIMEIRO IMPERADOR


"Beware the Ides of March"

Neste dia em 44 a. C. Júlio César morria no chão do Senado Romano, assassinado com 23 facadas no seguimento de uma conspiração liderada por Marco Brutus e Cássio. A morte de César vai desencadear um processo bélico e político que culminará com a ascensão de Octávio César Augusto como único governante e com a fundação do Império Romano.


Reconstituição artística de Octávio César Augusto, pelo projeto Césares de Roma

O primeiro imperador nasceu em Roma a 23 de Setembro de 63 a. C. e deram-lhe o nome do pai biológico Caio Octávio (Gaius Octavius). Foi o fruto da união entre este senador romano e Ácia, sobrinha de Júlio César.

Em 46 a. C. Octávio acompanhou Júlio César numa campanha realizada na Hispânia onde adquiriu a primeira experiência militar da sua carreira. O bom desempenho de Octávio fez com que Júlio César o convidasse a desempenhar funções de comandante militar sénior numa expedição com destino à Pártia, agendada para inícios de 44 a. C. Octávio estava na Ilíria a preparar-se para a expedição quando recebeu de Roma a notícia do assassinato do seu tio-avô Júlio.

O jovem romano não perdeu tempo e regressou a Roma onde o informaram de que Júlio César o adoptara como filho e que lhe legara praticamente toda a sua fortuna. Ao receber tal honra do pai adoptivo, Octávio procurou de imediato vingar a sua morte e perseguir todos os que haviam estado envolvidos na conspiração.

Vercingetorix, líder dos gauleses, rende-se a Júlio César após a Batalha de Alésia (52 a. C.)

Numa fase inicial tenta selar com Marco António, um dos homens mais leais de César, uma aliança que lhe permitisse fortalecer a sua posição contra os inimigos do seu tio-avô. Esta proposta de aliança foi inicialmente recusada por Marco António, que temia a destruição da República com mais uma sangrenta guerra civil, tendo optado antes por amnistiar todos os envolvidos na conspiração.

Esta ação clemente de Marco António teve o efeito indesejado de trazer muitas das antigas legiões de Júlio César para o lado de Octávio, assim como vários senadores e antigos amigos de César que se juntaram à causa de Octávio. A contestação a Marco António subiu de tom no Senado, com vozes como a de Cícero a erguerem-se contra ele, levando-o mesmo a abandonar Roma com as suas legiões rumo à Gália. Com o caminho livre, Octávio decide avançar sobre Roma com as suas legiões e forçar o Senado a empossá-lo como Cônsul. O seu primeiro acto será declarar Brutus e Cássio, os traidores que assassinaram o seu pai adoptivo, como inimigos da República.

Apesar de legitimado pelo consulado, Octávio sabia que não podia enfrentar Brutus e Cássio devido à sua quase inexistente experiência na liderança de conflitos armados. É para colmatar esta fraqueza que se reúne com Marco António e Lépido para formar o Segundo Triunvirato, que pela primeira vez excluía totalmente o Senado do poder de Roma. Na sequência deste acordo, chovem proscrições que culminam com a execução de vários inimigos de César, incluindo Cícero que terá as suas mãos pregadas às portas do Senado. Esta purga permitirá a Marco António e Octávio perseguir Cássio e Brutus sem temer qualquer ameaça doméstica.

Segundo Triunvirato (43 a 33 a. C.)

A tarefa que Marco António e Octávio se propunham a realizar não se avizinhava fácil. Durante o período de impasse e de criação do novo triunvirato, Brutus e Cássio aproveitaram a demora para fortalecerem a sua posição e recrutar novas legiões nas províncias mais orientais do Império. Quando Marco António e Octávio chegam à Grécia, os seus inimigos possuem o considerável contingente de dezassete legiões, bem treinadas e equipadas. Em Outubro de 42 a. C. os dois exércitos chocam em Filipos, e após uma encarniçada luta de várias horas Marco António e Octávio levam a melhor. Derrotados, Brutus e Cássio suicidam-se para evitar a captura.

Os vencedores de Filipos regressam a Roma e estabelecem novo acordo, afastando Lépido e pondo um fim abrupto ao Segundo Triunvirato. O Império é dividido em dois, ficando António com o Oriente e Octávio com o Ocidente. Esta repartição permitirá a Octávio a glória de combater e destruir por completo a pirataria de Sexto Pompeu, o último filho vivo de Cneu Pompeu, general derrotado por Júlio César numa guerra civil pelo poder supremo de Roma. A vitória é celebrada com um triunfo através das ruas que lança a multidão romana numa apoteose e aumenta ainda mais a sua popularidade.

O crescimento do poder e da celebridade de Octávio precipitaram o fim da parceria com Marco António que foi suplantada por uma acesa rivalidade. Entretanto, Marco António vivia no Egipto uma relação com a rainha Cleópatra, dizia-se, mais ao estilo de um monarca helenístico do que de um patrício romano. Naquele tempo, os monarcas orientais não eram bem vistos e Octávio aproveitou a situação para virar o Senado contra Marco António.

A situação de Marco António piorou quando Octávio se apossou do seu suposto testamento e o apresentou ao Senado, onde este pedia que na eventualidade da sua morte ocorrer em Itália, o seu corpo fosse enviado para o Egipto para ser sepultado junto de Cleópatra. A soma destes argumentos convenceram o Senado de que Marco António já não era romano e conduziram à sua declaração como inimigo de Roma.

Cleópatra VII Filópator, como imaginada em 1888 por John William Waterhouse


Com o estalar de nova guerra civil, Octávio partiu para enfrentar Marco António. O conflito culminaria na batalha naval de Áccio em 31 a. C., onde uma armada liderada por Agripa e Octávio desbaratou as forças lideradas por Marco António. Perante a derrota, Marco António e Cleópatra cometem suicídio.

Sem nenhum rival à sua altura, Octávio fundará o Império Romano em 27 a. C. Numa primeira etapa será mantida a aparência e o protocolo da República, rejeitando todos os títulos monárquicos e governa como "Primeiro Cidadão" (Princeps Civitatis). Este quadro constitucional de transição ficará conhecido como o Principado, a primeira fase do Império Romano.

A partir de 42 a. C. que Octávio instituíra o Culto do Divino Júlio, a veneração religiosa de Júlio César deificado, nomeando-se a ele próprio como "Filho do Divino" (Divi Filius). Com a submissão dos seus inimigos e consagração como líder supremo, assumir-se-á como Octávio César Augusto.




Vicente Pulido Valente


sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

SÃO NICOLAU E A ORIGEM DO PAI NATAL

Na tradição cristã, São Nicolau de Mira (270-343) ou de Bari foi um bispo de ascendência grega da cidade de Mira, na atual Turquia, durante o Império Romano, que realizou inúmeros milagres durante a sua vida, assim como obras de caridade e viagens de peregrinação pelo Egipto, Palestina e Jerusalém.


São Nicolau por Jaroslav Čermák (1831-1878)



São Nicolau é reconhecido pela sua reputação de atribuir presentes secretos e por ser um dos primeiros santos cristãos, tendo comparecido no Primeiro Concílio de Niceia (325) como defensor do Trinitarismo, em oposição ao Arianismo, que negava o conceito de Santíssima Trindade e separação das três entidades da Trindade. No entanto, a sua presença no Concílio é disputada devido a registos históricos contraditórios. Existe ainda uma lenda que surgiu já no século XIV (mais de mil anos após a sua morte) que descreve que S. Nicolau, ao ter perdido a paciência com um dos defensores do Arianismo, o terá esbofeteado, levando a que o imperador Constantino revogasse o seu pálio (manto destinado aos arcebispos) e mitra. Versões mais tardias identificam o opositor como o próprio Ário (256-336), fundador da doutrina arianista, e a agressão terá levado a que S. Nicolau fosse preso e mais tarde libertado por Cristo e pela Virgem Maria, sendo que a última que lhe terá oferecido um omofório para que Nicolau se pudesse voltar a apresentar como bispo.


Representação de S. Nicolau no Concílio de Niceia num ícone grego medieval


Em termos de iconografia, São Nicolau de Mira é representado como um idoso de barba branca com vestes de bispo ortodoxo, mais particularmente o omofório e a mitra, a segurar três esferas de ouro para dar em segredo a um homem pobre como dote para as suas três filhas. Contudo, a natureza dos três dotes varia de acordo com a representação, sendo que nalguns casos as esferas douradas seriam interpretadas como laranjas, sobretudo nos Países Baixos, que acreditavam que o santo viveria em Espanha e realizava visitas anuais para trazer laranjas e outras frutas invernais (dado que a proveniência da maioria das laranjas na Europa vinha da Península Ibérica).
Noutras representações é retratado com Jesus Cristo sobre o seu ombro esquerdo segurando o livro dos Evangelhos, e a Virgem Maria no seu ombro direito, com um omofório, concordante com a lenda do seu aprisionamento no Concílio de Niceia. Nas representações de São Nicolau de Bari este apresenta pele escura, enfatizando a sua origem estrangeira. 


Pormenor da antífona "São Nicolau" (final do séc. XIII), por Mestre de Girona


A sua generosidade e múltiplos milagres permitiram consolidar o seu culto e veneração como padroeiro e protector dos marinheiros, crianças, arqueiros, ladrões arrependidos, estudantes, cervejeiros, entre outros, pelo que é também representado rodeado de navios, crianças ou de outros elementos associados aos seus milagres. Entre os vários relatos da sua hagiografia constam: salvar três indivíduos inocentes da execução, empurrando a espada do carrasco para o chão; ressuscitar três crianças que haviam sido mortas e conservadas num barril por um açougueiro durante uma fome, ao fazer o sinal da cruz; acalmar uma tempestade na qual o seu navio se encontrava durante a sua viagem para a Terra Santa. Além disso, a tradição aponta que, após a morte dos seus pais, S. Nicolau terá doado toda a sua riqueza para os pobres, como uma das suas obras de misericórdia mais célebres.


"São Nicolau Salva Três Inocentes da Morte" (1888), por Ilya Repin


O conceito contemporâneo de Pai Natal evoluiu a partir da tradição de celebração de São Nicolau nos Países Baixos, "Sinterklaas", a 6 de Dezembro, onde há um culto em redor do santo como padroeiro das crianças, com a reputação de colocar moedas nos sapatos. A emigração dos neerlandeses para o Novo Mundo, nomeadamente para Nova Amesterdão (que se tornaria posteriormente Nova Iorque) no século XVII levou à expansão da tradição. Como tal, há o recurso a elementos da história e lenda de S. Nicolau, nomeadamente a sua bondade e generosidade, misturado ainda com a figura do "Father Christmas", uma personificação de origem inglesa do próprio Natal, com origens no século XV. As colónias inglesas na América do Norte permitiram também sedimentar a figura do Pai Natal e o hábito de troca de prendas no Natal, uma tradição que perdura até aos dias de hoje.



Beatriz Fonseca Fernandes

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

O DIA DE SÃO MARTINHO


O Outono do ano de 337 foi especialmente rigoroso. Um cavaleiro romano de nome Martinho percorria uma estrada no meio de uma tempestade, quando foi abordado por um mendigo que tremia de frio e lhe pediu uma esmola. Martinho retirou a capa que lhe cobria as costas e cortou-a a meio com a sua espada, divindindo-a em partes iguais com o mendigo. Nesse preciso momento, a tempestade amainou e o sol começou a brilhar, ficando este fenómeno conhecido como "Verão de S. Martinho".

Festejando o S. Martinho (1907), por José Malhoa

Assim reza a lenda que relata o episódio mais famoso da hagiografia de São Martinho, que a maioria dos portugueses ouviram na infância. Martinho de Tours, como ficou conhecido, não era originário desta cidade francesa mas da Panónia (a actual Hungria), onde nasceu provavelmente em 316. Apesar de ter tido uma educação pagã, converteu-se ao cristianismo antes de chegar à idade adulta. Como já mencionado, Martinho tornou-se soldado do exército romano, profissão que lhe permitiu percorrer as rotas do Império Romano de Ocidente, acabando por se fixar na província da Gália.

Imediatamente após o encontro com o mendigo, teve uma revelação divina em que Cristo lhe apareceu num sonho, trajando a capa rasgada que oferecera ao pedinte e agradecendo-lhe por tê-lo protegido do frio. Deste momento em diante, Martinho decide abandonar a carreira militar e entrega-se inteiramente à religião. É nesta altura que é baptizado e se torna discípulo de Hilário de Poitiers (outro santo e um dos doutores da Igreja), junto de quem se tornará um dos maiores propagadores do cristianismo em território gaulês.

A actual Abadia de Ligugé, refundada em 1853 depois de destruída na Revolução Francesa

É-lhe atribuída a fundação do mais antigo mosteiro da Europa, edificado num terreno cedido pelo seu mestre S. Hilário, na região de Ligugé. Em 371 é ordenado bispo de Tours e funda o mosteiro de Marmoutier, onde viverá o resto dos seus dias em reclusão. Morre a 8 de Novembro de 397, aos 81 anos, mas apenas é sepultado em Tours três dias depois: é por isso que no dia 11 de Novembro festejamos o dia de S. Martinho.

Tradição portuguesa de dia de S. Martinho: Magusto de castanhas assadas

Em Portugal, esta festividade é celebrada com uma refeição de castanhas assadas na brasa (magusto), acompanhada de uma bebida alcoólica, tradicionalmente jeropiga ou água-pé. É também nesta altura do ano que deve ser provado o vinho novo, em concordância com o dizer popular "no dia de S. Martinho, vai à adega e prova o vinho".


Artigos consultados:



LAC


domingo, 23 de agosto de 2020

OS FRESCOS DE POMPEIA


O Museu Arqueológico de Nápoles é famoso pela sua colecção de artefactos romanos recolhidos das adjacentes cidades de Pompeia, Estábia e Herculano, soterradas por cinzas vulcânicas aquando da erupção do Vesúvio em 79 d. C. Esta semana o Cabo Não publicou uma série de cinco frescos que pode visitar neste museu, todos eles parte do espólio arqueológico recolhido da cidade romana de Pompeia. Aproveite para os rever aqui:


Terentius Neo e a sua esposa (55-79 d. C.)


Fresco descoberto em 1868 na habitação da família de Terentius Neo (figura masculina na imagem) em Pompeia.

Nele está retratado um casal de classe média, o padeiro Terentius Neo e a sua esposa. São representados portando objectos de literacia, quer a caneta e superfície de escrita na posse da mulher, quer o pergaminho na posse do homem, demonstrando a aspiração a serem conhecidos como pessoas educadas e literatas.

O detalhe hiper-realista da representação permitiu aos historiadores especularem acerca da etnia e classe social do casal, provavelmente membros da tribo samnita, que procuravam deste modo esconder as suas origens modestas e promover a sua entrada em pleno direito na alta sociedade romana.


Retrato de Safo (55-79 d. C.)

Fresco recuperado em 1760 do sítio arqueológico de Pompeia, com representação de uma rapariga tradicionalmente identificada como a poetisa grega Safo.

O retrato está inserido num medalhão e tudo indica que esteve em tempos lado a lado com outro medalhão semelhante, com uma figura masculina. A rapariga na imagem encontra-se acompanhada de materiais de escrita e apresenta uma expressão de meditação, como se pensasse no que escrever.


O Sacrifício de Ifigénia (45-79 d. C.)

Fresco descoberto em 1825 na Casa do Poeta Trágico em Pompeia.

Nele podemos observar uma ilustração do Mito de Ifigénia, mais precisamente o momento em que Ulisses e outro companheiro (Diomedes ou Aquiles) transportam a filha de Agamémnon para o altar de sacrifício.

Segundo a mitologia grega, quando a frota grega se preparava para partir para a Guerra de Troia, o rei Agamémnon ofende a deusa Artémis ao matar acidentalmente um dos seus cervos sagrados. A deusa pára os ventos e impede a armada de prosseguir viagem, exigindo como paga o sacrifício da filha mais velha de Agamémnon e Clitemnestra, Ifigénia.

Ifigénia é atraída para o porto de Aulis, onde estava fundeada a frota grega, com o pretexto de desposar o herói Aquiles, que está igualmente alheio ao conluio. Numa das versões, o sacrifício é cumprido por Agamémnon, que perde a filha e segue para Troia. Noutra, Ártemis intervém no derradeiro momento, substituindo a princesa por um cervo sagrado no altar sacrificial.

O Rapto de Europa (20-25 d. C.)

Fresco recuperado em 1878 da Casa de Jasão em Pompeia.

A pintura representa a cena mitológica do sequestro de Europa por Zeus, rei dos deuses do panteão grego. Europa era uma princesa fenícia detentora de grande beleza, filha do rei Agenor.

Para ganhar a confiança da jovem, Zeus assume a forma de um magnífico touro branco e convence-a a subir para o seu dorso. Subitamente, o touro parte com a princesa a galope através do mar Mediterrâneo e atinge a ilha de Creta, onde por fim revela a sua verdadeira identidade. Da união entre Zeus e Europa vão nascer três filhos: Minos, Sarpedão e Radamanto.

Os irmãos de Europa partem no seu encalço sem nunca a encontrar. No decurso das viagens em busca de Europa cada um deles fundará o seu próprio reino: Cadmo fundou Tebas, Fénix a Fenícia, Cílix a Cilícia e Tasos a cidade da ilha de Tasos.


Perseu e Andrómeda (62-79 d. C.)

Fresco descoberto entre 1824-25 no sítio arqueológico de Pompeia representando a libertação de Andrómeda por Perseu.

A mitologia grega conta que após decapitar Medusa e petrificar Atlas, Perseu alcança a costa da Etiópia onde encontra Andrómeda amarrada a um rochedo a chorar desconsoladamente. A jovem explica que devido à vaidade da sua mãe Cassiopeia, que ofendera Poseídon ao clamar ser mais bela que as Nereidas, o deus do mar a condenara a ser devorada por um monstro marinho.

Fazendo uso dos poderes especiais concedidos pelas ofertas de vários deuses (a espada de Zeus, o escudo de Atena, as sandálias aladas de Hermes e o elmo de invisibilidade de Hades) o herói vai derrotar o monstro, obtendo como recompensa o casamento com Andrómeda.




LAC

quarta-feira, 22 de julho de 2020

AS 7 MARAVILHAS DO MUNDO ANTIGO POR DALÍ


Na década de 1950 o pintor surrealista espanhol Salvador Dalí foi convidado a elaborar representações das Sete Maravilhas do Mundo Antigo para o documentário Seven Wonders of the World, a segunda película produzida por Hollywood no revolucionário formato Cinerama. 

Apesar do filme ter chegado às salas de cinema norte-americanas em Abril de 1956, as ilustrações concebidas por Dalí nunca seriam usadas. Das Maravilhas do Mundo retratadas pelo pintor foi-nos possível encontrar todas com excepção dos Jardins Suspensos da Babilónia, para a qual seleccionámos uma imagem alternativa. 


As Sete Maravilhas, como representadas por Maarten van Heemskerck




AS SETE MARAVILHAS DO MUNDO ANTIGO

Desde a Antiguidade Clássica que diversos autores procuraram alcançar um consenso acerca das construções mais notáveis da História da Humanidade. Com ligeiras variações ao longo dos tempos, os monumentos contemplados foram: A Grande Pirâmide de Gizé, os Jardins Suspensos da Babilónia, o Colosso de Rodes, o Farol de Alexandria, o Templo de Artémis em Éfeso, a Estátua de Zeus em Olímpia e o Mausoléu de Halicarnasso.

Das construções originais apenas uma permanece relativamente intacta, curiosamente a mais antiga das sete, a Pirâmide de Queóps, mais conhecida como a Grande Pirâmide de Gizé. Todas as restantes foram destruídas, não raras vezes por acção da natureza, nomeadamente por sismos e outros desastres. Por outro lado, é controversa a localização, a aparência e até mesmo a existência dos Jardins Suspensos da Babilónia, miticamente atribuídos ao reinado de Nabucodonosor II.




FAROL DE ALEXANDRIA



O Farol de Alexandria, na ilha de Faros (actual Egipto), foi construído no século III a.C. e destruído por sucessivos terramotos até desaparecer por completo em 1480.

Após a morte de Alexandre, o Grande, fundador da cidade de Alexandria, em 323 a.C., sucedeu-lhe um seu general como Ptolomeu I, que iniciou a construção deste farol; caberia ao seu filho e sucessor, Ptolomeu II, concluir esta obra, que demorou 12 anos a completar.

De acordo com o relato semi-lendário, os habitantes da ilha de Faros tinham por hábito saquear artigos valiosos de navios naufragados. Para contrariar este fenómeno e também os naufrágios na região, nasce a necessidade de uma estrutura luminosa que guiasse os navios à noite.

Estima-se que teria cerca de 100 metros de altura, pelo que seria durante vários séculos uma das construções humanas mais altas do mundo. Ao farol sobreviveram numerosas descrições; entre elas os escritos árabes com base nos quais Salvador Dalí baseia a sua interpretação artística.





COLOSSO DE RODES



O Colosso de Rodes foi construído em 280 a. C. e destruído por um sismo em 226 a. C. Esta estátua do deus do Sol Hélio (patrono de Rodes) media cerca de 33 metros e saudava os visitantes na entrada do porto de Rodes. Concebido pelo escultor e arquitecto Carés de Lindos, tinha dos pés à coroa o tamanho aproximado da Estátua da Liberdade, tornando-a uma das estátuas mais altas do Mundo Antigo.

Foi erigida para celebrar a defesa contra a invasão de Demétrio I da Macedónia, no contexto do Cerco de Rodes (305-304 a. C.). Ao abandonar o cerco, os macedónios deixaram para trás a maioria do seu armamento, que foi aproveitado para a fundição da estátua.

Após a sua destruição, Ptolomeu III ofereceu-se para pagar uma reconstrução da estátua. No entanto, os habitantes de Rodes recusaram, visto que o Oráculo de Delfos interpretou o desmoronamento do Colosso como uma ofensa a Hélio, pelo que reconstruí-lo seria desrespeitoso ao deus.

Pouco mais é conhecido sobre esta Maravilha do Mundo Antigo, permanecendo sob disputa a sua localização exacta na ilha de Rodes. Existem contudo muitas referências literárias ao Colosso de Rodes, incluindo n'Os Lusíadas, onde Camões compara Adamastor a esta magnífica estátua.



ESTÁTUA DE ZEUS EM OLÍMPIA



Localizada no Templo de Zeus em Olímpia, esta estátua de 13 metros foi construída por volta de 435 a. C., tendo desaparecido no século V d. C. Foi esculpida por Fídias, célebre pela sua decoração do Partenon, em Atenas, a pedido do povo da cidade-estado de Eleia, de forma a complementar o templo recém-erigido. Segundo as descrições, era uma estátua ricamente adornada com ouro, marfim e variadas pedras preciosas, ocupando metade da altura do templo.

Fídias baseou o aspecto de Zeus de acordo com a descrição de Homero na Ilíada, e ao concluí-la rezou ao deus para que lhe desse um sinal que indicasse se a estátua estava a seu gosto. Segundo a lenda, caiu um relâmpago no chão do templo, onde colocaram um pote de bronze para cobrir o dano causado.

Existem duas teorias para o desaparecimento da estátua. Por um lado, a tradição aponta para que esta havia sido levada para Constantinopla, tendo sido destruída pelo grande incêndio do Palácio de Lauso em 475 d. C. Por outro lado, existe a crença de que, tendo o templo caído em desuso, a estátua permaneceu no seu local original até ser destruída por um incêndio em 425 d. C.

A aparência do monumento original é conservada até aos dias de hoje através de registos e moedas da altura, a partir dos quais Dalí retira a sua interpretação desta Maravilha do Mundo Antigo.




MAUSOLÉU DE HALICARNASSO



Esta Maravilha do Mundo Antigo estava situada em Halicarnasso, na actual Turquia. Foi construída no século IV a. C. como complexo funerário para o governador de Cária, Mausolo, e para a sua irmã e esposa, Artemísia II. 

Encontrava-se numa colina sobre a cidade de Halicarnasso, sendo o principal monumento da mesma. O seu estatuto de maravilha não se devia às suas dimensões, mas sim à riqueza dos seus adornos e beleza da sua arquitectura, assumindo mais a aparência de um templo do que propriamente a de um túmulo.

Era uma obra impressionante, com cerca de 45 metros de altura, adornada com relevos de importantes escultores gregos - Leocares, Briáxis, Escopas de Paros e Timóteo. A estrutura foi desenhada pelos arquitectos Sátiro e Píteo de Priene. Do nome do sepultado, Mausolo, derivaria o termo "mausoléu", por eponímia.


O mausoléu foi destruído por sismos entre os séculos XII e XV, encontrando-se actualmente em ruínas. Muitos dos destroços foram utilizados na construção do Castelo de Bodrum, que teve início em 1402, mas as fundações originais do mausoléu ainda são visíveis no seu local original. Das estátuas que figuravam no conjunto, as sobreviventes encontram-se no British Museum.




TEMPLO DE ÁRTEMIS EM ÉFESO



O Templo de Ártemis, cujas origens remetem à Idade do Bronze, localizava-se na cidade de Éfeso, naquele que é actualmente território turco. O poeta Calímaco, no seu Hino a Ártemis, atribuía às Amazonas a edificação deste local de culto.

Após a sua destruição por cheias no século VII a. C., teria sido reedificado, adquirindo mais complexidade e grandiloquência. Esta reconstrução teve início em 550 a. C. e foi levada a cabo pelo arquitecto Quersifrão e pelo seu filho Metágenes, demorando cerca de uma década a completar, atingindo uma altura de 13 metros.

Esta versão mais sofisticada do templo foi destruída em 356 a. C. por Heróstrato, que o terá incendiado. Na tradição grego-romana, esta destruição coincidiu com o nascimento de Alexandre, o Grande, que mais tarde se ofereceria para financiar a restauração do templo, embora os cidadãos de Éfeso tenham recusado. Mais tarde, já após a morte de Alexandre, estes acabariam por erigir novo templo, desta vez com 18 metros de altura e adornado com pinturas, ouro e prata e esculturas de Policleto, Fídias, Crésilas e Fradmon.

A segunda reconstrução do templo sobreviveu durante seis séculos. No século III d. C., o templo foi saqueado e parcialmente destruído pelos Godos, tendo sido novamente alvo de pilhagem ao longo dos séculos seguintes, sendo que algumas das colunas da Hagia Sophia pertenciam  originalmente ao Templo de Ártemis. Deste, resta apenas uma coluna, que se encontra até ao dias de hoje no local.



GRANDE PIRÂMIDE DE GIZÉ




Esta ilustração de Dalí, a única posterior ao lançamento do documentário Seven Wonders of the World, leva-nos às areias do Antigo Egipto com as três Pirâmides de Gizé. A maior das quais, a denominada Pirâmide de Quéops, é a única das Sete Maravilhas do Mundo Antigo que resistiu ao teste do tempo permanecendo parcialmente intacta até aos nossos dias.

Esta pirâmide está inserida no conjunto da Necrópole de Gizé e remete ao reinado do faraó Quéops (2589-2566 a. C.), cujo túmulo se encontra na pirâmide homónima. Dentro da pirâmide encontram-se três câmaras conhecidas: inferiormente, uma câmara inacabada, escavada no solo, e superiormente duas câmaras conhecidas como "Câmara do Rei" e "Câmara da Rainha". 
Acredita-se que Hemiunu, vizir e parente de Quéops, foi o arquitecto responsável por muitas obras reais, entre as quais esta pirâmide.

Estima-se que a Pirâmide de Quéops tenha sido construída entre 2580 e 2560 a. C. e tem 146 metros de altura, logo é não só a mais antiga como também a maior das Maravilhas do Mundo Antigo. A pirâmide estaria coberta de pedra polida, que permitia reflectir a luz solar; este revestimento foi quase todo perdido e actualmente observa-se apenas o núcleo de pedra da pirâmide, que é sobretudo constituído por calcário. Porém, a base da pirâmide ainda apresenta reminiscências da sua cobertura original. 




JARDINS SUSPENSOS DA BABILÓNIA


Os Jardins Suspensos, como representadas por Maarten van Heemskerck

A única das Sete Maravilhas cuja ilustração de Dalí não nos foi possível encontrar, os Jardins Suspensos da Babilónia, são também a única das Maravilhas da qual não se conservam vestígios arqueológicos ou descrições fidedignas, suscitando mesmo dúvidas em relação à sua existência. A aparência, dimensões e localização dos jardins têm igualmente gerado debate, existindo diversas teorias contraditórias que adensam a aura de mistério e estatuto mítico desta Maravilha.  

De acordo com o relato de Beroso (séc. III a. C.), a obra remete ao reinado de Nabucodonosor II, que dedicou a construção à sua esposa Amyitis, não existindo contudo qualquer outro registo que o contradiga ou confirme. Existe no entanto documentação detalhada acerca dos jardins que o rei assírio Senaqueribe mandou plantar nas margens do rio Tigre, na sua capital Nínive. Tem sido sugerido que Beroso terá atribuído os jardins a Nabucodonosor II e trocado a sua localização por razões políticas.   

Estes exóticos jardins teriam sido cultivados com o intuito de decorar e não de produzir comida, algo incomum para a época. A ideia da jardinagem como actividade lúdica espalhou-se desde o Crescente Fértil até ao Mediterrâneo, onde diversos povos adoptaram a prática de jardinagem.

Os Jardins Suspensos da Babilónia foram o molde para os jardins que se seguiram, como apogeu da arte de jardinar que englobava engenharia, arquitectura e botânica de forma harmoniosa e estética. Segundo as descrições, estes jardins tinham terraços semelhantes a montanhas, com uma grande variedade de espécies neles cultivados e com sistemas de escoamento de águas que permitiam regar os vários níveis de vegetação, conferindo-lhes assim uma aparência singular.




LAC e BFF

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Howard Carter abre as portas da cripta principal e revela o sarcófago dourado de Tutankhamon


"With trembling hands, I made a tiny breach in the upper left hand corner... widening the hole a little, I inserted the candle and peered in... at first I could see nothing, the hot air escaping from the chamber causing the candle to flicker. Presently, details of the room emerged slowly from the mist, strange animals, statues and gold – everywhere the glint of gold. For the moment – an eternity it must have seemed to the others standing by – I was struck dumb with amazement, and when Lord Carnarvon, unable to stand in suspense any longer, inquired anxiously "Can you see anything?", it was all I could do to get out the words "Yes, wonderful things".


Howard Carter in "The Tomb of Tutankhamen"

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

EGIPTOMANIA: A OBSESSÃO DO OCIDENTE PELO ANTIGO EGIPTO


1. O egiptólogo Howard Carter examina o sarcófago de Tuthankamon (Harry Burton, 1923)

O fascínio dos europeus pelo Egipto é uma história de amor com mais de um milénio. Foi partilhado pelo mundo greco-romano e pelas culturas cristãs que lhe sucederam.

Entre 125 e 134 o imperador romano Adriano mandou construir um jardim à moda egípcia na sua Villa, em memória do seu amante Antinoüs que morrera afogado no rio Nilo. Conhecem-se templos na Grécia dedicados à deusa Ísis desde IV a. C. As representações dessa mesma divindade segurando Hórus seriam um dos protótipos utilizados pelos primeiros cristãos para desenvolver a iconografia da Virgem Maria e do Menino (fig. 2).

2. Ísis e Hórus, Período Ptolomaico (Museum Metropolitan of Art)

A inacessibilidade do Egipto aos europeus a partir da chegada de forças islâmicas belicosas à região em 641, contribuiu para uma concepção mítica da civilização egípcia, criando no imaginário popular um lugar "fora da história". Apesar de praticamente nenhum europeu ter visitado o Egipto durante este período, os artefactos que chegavam à Europa eram testemunho de uma terra estranha e exótica que suscitava paixões e relatos lendários.

O contacto dos europeus com múmias egípcias pode ser traçado até ao século XIII. Existem registos da pulverização das mesmas e do seu consumo como remédio, devido à crença de que trariam benefícios medicinais. Outros propósitos mais utilitários foram o de fertilizante, pigmento ou no fabrico do papel.

3. Vendedor de múmias nas ruas do Egipto (c. 1875)

A redescoberta dos autores clássicos durante a Renascença suscitou um fascínio pelo esoterismo egípcio e em particular pelos textos teológicos de Hermes Trismegisto, que seria mais tarde herdado por sociedades secretas como o Rosacrucianismo ou a Maçonaria.

Este magnetismo espiritual do Antigo Egipto seduziu as elites europeias que adornaram os seus jardins com esfinges e obeliscos. Rafael e Bernini conceberam túmulos piramidais para a nobreza romana, como o mausoléu dos Chigi integrado na Basílica de Santa Maria del Popolo.

Mas foi a invasão do Egipto por Napoleão (1798-1801), bem como a investigação científica que a acompanhou, que despertou a era dourada do interesse ocidental pela cultura egípcia. A gigantesca expedição militar foi integrada por estudiosos, cientistas e artistas que produziram a primeira descrição não-mítica da terra dos faraós, compilada na série de publicações Description de l'Égypte (1809-1829).

A febre só seria intensificada com o anúncio em 1822 de que Jean-François Champollion teria decifrado a Pedra de Roseta, possibilitando deste modo a tradução de hieróglifos e abrindo por fim o livro fechado da história egípcia à curiosidade dos ocidentais.

4. "Bonaparte devant le sphynx" do orientalista francês Jean-Léon Jérôme (1867-1868)  

A Egiptomania do século XIX foi simultaneamente palco de rituais bizarros como as "Mummy Unwrapping Parties", nas quais como o nome sugere, se procedia ao desfazer de múmias perante uma audiência. As múmias e outros artefactos tornaram-se souvenirs cobiçados na alta sociedade europeia, propulsionando um comércio mórbido em bancas de rua (fig. 2).

Esta alta procura gerou um contrabando proveitoso que tornou a violação de túmulos uma prática habitual. Os vendedores desenvolveram formas engenhosas de contrafacção, passando cadáveres de criminosos executados e mendigos por múmias antigas através de um processo que envolvia o enterro dos corpos em areia, a exposição solar e embalsamento em asfalto.

No início dos anos 20, o mundo parou quando o egiptólogo britânico Howard Carter abriu o túmulo de Tutankhamon no Vale dos Reis (fig. 1), que permanecera perdido durante 3 mil anos. Esta descoberta moldou profundamente o imaginário moderno do Antigo Egipto e estimulou manifestações tão díspares como a influência no movimento Art Déco ou no orientalismo do filme de terror "A Múmia" (1932) de Karl Freund.


5. Boris Karloff e Zita Johann em "A Múmia" (1932)


LAC