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domingo, 17 de maio de 2020

O POGROM DE LISBOA DE 1506


Hoje em dia, quem passa no Largo de São Domingos, junto à Estação do Rossio em Lisboa, pode encontrar um pequeno monumento com a seguinte inscrição: "Em memória dos milhares de judeus vítimas da intolerância e do fanatismo religioso assassinados no massacre iniciado a 19 de Abril de 1506 neste largo".

O memorial evoca a Matança da Páscoa ou Pogrom de Lisboa, que em princípios do século XVI provocou a morte a milhares de cristãos-novos (judeus convertidos). O massacre foi incitado por frades dominicanos do Mosteiro de S. Domingos, que prometeram a absolvição dos pecados dos 100 dias anteriores a todos aqueles se juntassem na perseguição aos "hereges". Esta promessa, aliada ao anti-semitismo e perspectiva de saque, rapidamente fez reunir uma turba de centenas de pessoas, entre fanáticos, criminosos vulgares e marinheiros estrangeiros de passagem pelo porto de Lisboa.

Xilografia alemã da época retratando o massacre


























ANTECEDENTES

A queda do Emirado de Granada, oficializada no dia 2 de Janeiro de 1492 na sequência de uma longa campanha militar, assinala o fim de quase oito séculos de presença islâmica na Península Ibérica. Este triunfo dos Reis Católicos, Fernando e Isabel, vai permitir-lhes virar todas as suas atenções para a numerosa comunidade judaica, no seu esforço de converter a Espanha num espaço confessional católico. É com este intuito que a 31 de Março de 1492 é promulgado o decreto de Alhambra, que ordenava a expulsão de todos os judeus de território espanhol.

O infame Decreto de Alhambra estabelecia um prazo de 4 meses
para todos os judeus não convertidos abandonarem Espanha. 

A expulsão dos judeus do país vizinho levou cerca de 100 mil a procurar nova casa em Portugal. Lamentavelmente o paraíso de tolerância lusitano seria sol de pouca dura para os refugiados judeus. O contrato do casamento que ia unir o novo monarca D. Manuel à filha dos Reis Católicos, Dona Isabel, contemplava a expulsão dos "hereges" (judeus e mouros) de Portugal num futuro próximo. Considerando o poder económico e o conhecimento técnico dos judeus portugueses, o rei terá tentado demover a futura esposa mas em vão.

No dia 5 de Dezembro de 1496, D. Manuel assinava o decreto de expulsão dos judeus de território nacional, concedendo-lhes um prazo até 31 de Outubro de 1497 para que abandonassem o país. O decreto continha todavia um incentivo implícito a que os judeus optassem pela conversão ao catolicismo, ainda que apenas pro forma. Alguns seguiram este rumo, preferindo a pia baptismal ao desterro.

Muitos houve porém que recusaram, tentando por todos os meios a fuga de território nacional. Esperando deste modo evitar a sangria demográfica, D. Manuel ordenou o encerramento de todos os portos em Portugal - com excepção do porto de Lisboa, de cujas trocas comerciais e taxas aduaneiras dependia fortemente a economia portuguesa.

Tendo conhecimento desta excepção, logo vários milhares de famílias judias se dirigem ao porto de Lisboa esperando obter meio de passagem para outro país. Perante este cenário de êxodo, o rei manda sequestrar as crianças judias menores de 14 anos para que sejam educadas por famílias cristãs, o que é feito com recurso a grande violência.

Em Outubro de 1497, com o término do prazo estipulado, os judeus que ainda resistiam são violentamente arrastados por populares e clérigos até às pias baptismais, perante a passividade ou complacência das forças de ordem.

É deste contexto de intolerância religiosa que ao longo dos anos seguintes vão nascer os marranos ou cripto-judeus, que vão continuar a praticar o judaísmo na vida privada sob a aparência católica da vida pública. Esta natureza dual de muitos "cristãos-novos" nunca será bem aceite pelos "cristãos-velhos", pouco convictos do fervor católico dos recém-convertidos. 1506 é o ano em que todas as tensões submersas vão emergir.


A Expulsão dos Judeus (1917), por Alfredo Roque Gameiro


O MASSACRE

O ano de 1506 começou sob o signo da seca. A seca trouxe a fome, e a fome trouxe a peste. A mortandade é tal que o rei desloca temporariamente corte para Abrantes, alheio às tensões sociais que se acumulam na capital. Com  a chegada da temporada pascoal a população de Lisboa ocorreu às igrejas, na esperança que com as suas preces pudesse aplacar as más condições de vida que via como castigo divino.

Segundo os relatos da época, tudo começou durante a missa de domingo de Pascoela na capela do Convento de S. Domingos. Alguém jurou ter visto num crucifixo o rosto de Cristo iluminado, o que foi interpretado pelos presentes como um milagre. Um "cristão-novo" tentou explicar que o fenómeno era natural, tratando-se apenas de um reflexo da luz proveniente de uma vela acesa. Logo foi acusado de heresia e cercado pela populaça, que o arrastou para o Largo de S. Domingos e o espancou até à morte.

Sentindo o clima como propício, imediatamente se juntam à multidão frades dominicanos do Convento, entre eles Frei João Mocho e Frei Bernardo, proferindo discursos anti-semitas e brandindo o crucifixo milagroso. Promete-se a absolvição dos pecados dos últimos 100 dias por entre brados de "Heresia! Heresia! Destruam o povo abominável!". 

O apelo não tarda a arregimentar centenas de facínoras fanatizados, reforçados por marinheiros provenientes da Holanda e da Zelândia que faziam escala na cidade. Não menos importante móbil é a prosperidade aparente dos judeus, que rapidamente faz reunir bandos de criminosos de delito comum, aliciados pela perspectiva de um saque avultado:


"Nas quais cruezas se não esqueciam de lhes meter a saque as casas e roubar todo o ouro, prata e enxovais que nelas achavam." DAMIÃO DE GÓIS

Os populares enfurecidos percorreram a cidade torturando e assassinando todos os judeus que cruzavam o seu caminho. Assentaram-se arraiais com fogueiras no Rossio onde os corpos dos mortos foram queimados. Não faltam descrições documentais da brutalidade das arruaças, que não pouparam mulheres nem crianças:


"Arremessando as criaturas às paredes e desmembrando-as, desonrando as mulheres e corrompendo as virgens e sobre isso tirando-lhes a vida. Houve muitas que prenhes as lançaram das janelas, sobre a ponta das lanças que já em baixo as estavam esperando." SAMUEL USQUE

Durante três dias e três noites Lisboa esteve a ferro e fogo. O caos instaurado é de tal ordem que as autoridades tiveram de esperar uma acalmia para poder finalmente repor a ordem. A fúria assassina esgota-se pelo cansaço e por não haver mais cristãos-novos à vista. Quando a cinza das fogueiras assentou, tinham perecido cerca de quatro mil judeus portugueses, tomando por verdadeiro o relato de Garcia de Resende:


"Vi que em Lisboa se alçaram, povo baixo e vilãos, contra os novos cristãos, mais de quatro mil mataram dos que houveram às mãos." GARCIA DE RESENDE


O DIA SEGUINTE


Memorial de homenagem aos judeus assassinados
 no Pogrom de Lisboa, no Largo de S. Domingos

Quando as tropas de D. Manuel finalmente entram na cidade os amotinados são severamente punidos. São confiscados bens aos culpados; outros são presos ou executados, entre os quais os frades dominicanos instigadores da desordem que são condenados à morte. Há indícios de que o Convento de S. Domingos terá sido encerrado durante os oito anos seguintes. A cidade de Lisboa perde honras, entre as quais o assento no Conselho da Coroa.

Incapaz de estancar a saída dos judeus, D. Manuel levanta as proibições de movimento que vigoravam desde 1497. Logo os judeus portugueses iniciam uma Diáspora tendo como destino locais que continuam actualmente a constituir importantes pólos do judaísmo sefardita como os Países Baixos, a França, ou até mesmo a Turquia.

Com a passagem dos judeus que restaram à clandestinidade e a entrada em Portugal do Tribunal do Santo Ofício em 1540, a Matança de Lisboa é coberta por um pano de esquecimento. Ao longo dos séculos poucos são os historiadores que lhe fazem referência, contando-se uma mão cheia de relatos.

Em 1996 o massacre foi tema do romance do luso-americano Richard Zimler O Último Cabalista de Lisboa e a ocasião dos 500 anos foi igualmente palco de várias evocações. A 23 de Abril de 2008 é inaugurado no Largo de S. Domingos o memorial em homenagem às vítimas, que permanece testemunha da crueldade e da intolerância religiosa do passado numa cidade que actualmente é sinónimo de diversidade étnica e cultural.     



Luís Alves Carpinteiro



sábado, 12 de janeiro de 2019

ÉMILE ZOLA E O CASO DREYFUS



Neste dia 13 de Janeiro, em 1898, Émile Zola publica no periódico parisiense L’Aurore a sua carta aberta ao presidente francês “J’Accuse…!”, envolvendo-se assim na controvérsia em torno da condenação por espionagem do capitão Alfred Dreyfus.










Alfred Dreyfus foi um oficial de artilharia do exército francês, de origem judaica. Nascido no seio de uma família com fortuna no sector têxtil, era natural da província da Alsácia, anexada pela Alemanha na sequência da humilhante derrota francesa na Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871. 



Quando em 1894 uma empregada de limpeza infiltrada pelos serviços secretos franceses na Embaixada alemã se depara com um documento suspeito no lixo do adido militar, começa a caça ao espião dentro das forças armadas. O documento, que ficará para a História pelo nome bordereau, continha informações classificadas sobre uma super-arma em desenvolvimento, uma peça de artilharia de alto calibre. 



A busca foi restringida aos oficiais de artilharia que tinham acesso ao projecto, entre os quais o impopular Capitão Dreyfus, visto com desconfiança entre os militares devido à sua ascendência judaica e alsaciana. Apenas com base na comparação de caligrafias e numa análise grafológica, a investigação estabeleceu Dreyfus como “o autor provável” do bordereau, apesar das reservas demonstradas por alguns dos envolvidos. 



O frenesim mediático que acompanhou o caso tornou a imparcialidade impossível. Um tribunal militar reuniu-se à porta fechada com o objectivo de proceder a um julgamento célere, longe das opiniões inflamadas. A pouca consubstanciação ou total inexistência de provas foi um problema para a acusação que forjou um dossier secreto cuja peça central era uma elusiva carta do adido alemão em que se mencionava “ce canaille de D…” (esse patife do D). A acusação não teve dúvidas: o "D" era de Dreyfus!



Após ser submetido a uma ultrajante cerimónia militar, em que debaixo dos urros da multidão lhe são arrancados os galões de oficial, Dreyfus é degredado para a colónia penal da Ilha do Diabo, na costa da Guiana Francesa. A causa desesperada de Dreyfus vai ter um paladino inabalável no seu irmão mais velho, Mathieu Dreyfus, que vai empenhar todos os meios ao seu dispor para ilibar o irmão.

Alfred Dreyfus na Ilha do Diabo

A brecha no caso vai provir de um herói improvável, o novo chefe dos serviços secretos franceses Coronel Georges Picquart. No decorrer das operações de vigilância à Embaixada alemã, Picquart vai ter acesso a um telegrama não enviado entre o adido alemão e um oficial do exército francês, o Major Walsin-Esterházy. Ao contrapor a escrita de Esterházy com a do bordereau, o Coronel fica convicto da inocência de Dreyfus. Quando transmite a descoberta fica chocado com a reacção evasiva dos seus superiores que o vão afastar para a Tunísia num esforço para encobrir a verdade.

Em Novembro de 1897 Mathieu Dreyfus publica uma reprodução do bordereau no jornal Le Figaro, tornando o escândalo público. Isto vai permitir a identificação da assinatura de Esterházy no documento pelo seu banqueiro. A causa dos Dreyfusards (apoiantes de Dreyfus) ganha ímpeto com a adesão de grandes vultos do mundo intelectual como Émile Zola, Octave Mirbeau ou o futuro presidente da França, Georges Clemenceau, cujos escritos e palavras de ordem vão contribuir decisivamente para a reabertura do caso. 

Perante a crescente pressão dos Dreyfusards o Major Esterházy é julgado, mais uma vez em tribunal militar e à porta fechada. Previsivelmente, Esterházy é absolvido pelos militares, renitentes em admitir os seus próprios logros. As tensões escalam entre os grupos rivais que se amotinam e confrontam nas ruas. 

É este ambiente inflamável que Zola vai incendiar com “J’Accuse…!” denunciando temerariamente o complot contra Dreyfus, explicitando o nome de todos os envolvidos. O ataque cirúrgico do romancista tinha como objectivo expô-lo como alvo dos tribunais, forçando uma revisão do caso. A atenção internacional que o artigo recebe torna o julgamento de Zola inevitável, resultando na sua condenação à pena máxima de um ano de prisão, à qual escapa através de fuga para Inglaterra. 

Émile Zola no seu julgamento

O artigo de Émile Zola é o ponto que assinala a viragem do caso e o início da reposição da verdade. O retorno do escritor do exílio só lhe é permitido em 1899, ainda a tempo de assistir à repetição do julgamento de Dreyfus, regressado da Ilha do Diabo para o efeito. Entretanto, a inocência de Dreyfus tornava-se por demais evidente: uma vez a salvo em solo inglês o Major Esterházy confessara a autoria do bordereau; o Inspetor Henry, que conduzira o caso desde o início, suicidara-se na prisão, mas não sem antes confessar ter forjado provas para incriminar Deyfrus.


Naquele que ficou conhecido como o julgamento de Rennes, o tribunal manteve o veredicto de culpado de Dreyfus que foi todavia amnistiado e libertado. Apenas em 1906 a sentença será finalmente revertida. Infelizmente, Zola já não viverá para ver concretizada a justiça pela qual lutou; morre em 1902 devido à inalação de uma quantidade letal de monóxido de carbono proveniente de uma chaminé defeituosa. Muitos estudiosos não descartaram a possibilidade de ter sido assassinado por inimigos políticos, no entanto, nada foi provado.


LAC

terça-feira, 30 de outubro de 2018

OCUPAÇÃO DA POLÓNIA E POLÍTICA RACIAL NAZI


“A anexação dos Sudetas (…) pôs fim à época dos Tratados sobre as Minorias e deu início a uma abordagem mais brutal das tensões étnicas europeias. As garantias legais foram substituídas por transferências forçadas de populações.” Mark Mazower, O Continente das Trevas, p. 192.

Rendição de judeus aos soldados alemães na sequência da Revolta do Gueto de Varsóvia. 1943. 

No seu livro Hitler’s Empire, Mark Mazower descreve em detalhe o falhanço anunciado dos planos de colonização e limpeza étnica em grande escala reservados para a Polónia por parte dos alemães. Tais planos não surgiram com Hitler, mas retiravam inspiração de modelos que circulavam entre as elites políticas do Kaiserreich e que certamente seriam postos em prática num cenário de derrota russa na Grande Guerra. Não só se procurou retomar as áreas perdidas com o Tratado de Versalhes de 1919, mas também anexar uma área que, segundo estimativas da altura, era cerca de 90% polaca. Para além disto, o que se verificava no interior do Reich era uma emigração em massa de Leste para Oeste, em directa oposição ao ideário nazi de avançar rapidamente para o Oriente e substituir a população autóctone por uma classe de camponeses-soldado (wehrbauer) capazes de consolidar as novas fronteiras alemãs. Este plano foi parcialmente realizado durante a Segunda Guerra Mundial resultando directa ou indirectamente na morte de milhões de eslavos e judeus devido à fome, doença e extermínio. A sua implementação revelou-se impraticável e foi impedida pelo avanço do Exército Vermelho e pela derrota da Alemanha nazi.

Com a queda da Polónia em setembro de 1939, as elites nazis viram-se confrontadas com as dificuldades de implementação do seu plano megalómano: Como proceder à expulsão destas populações? Como inverter a tendência história de migração para Oeste do povo alemão? Como garantir um contingente de colonos em número suficiente para executar o Drang nach Osten? Este trabalho pretende alertar para as atrocidades cometidas por pessoas sobre a influência de uma ideologia assassina, esclarecer quais eram os seus planos e demonstrar como e porque no fim falharam.



A Ocupação


“Estamos a pôr um ponto final na perpétua marcha alemã para o Sul e Oeste da Europa e a virar-nos para os territórios de Leste.” Adolf Hitler.

“A Polónia forneceria uma passagem para o Leste e uma fonte de mão-de-obra – um Arbeitsreich para o Herrenvolk, segundo a expressão de Hitler pouco depois da invasão.” Mark Mazower, O Continente das Trevas, página 176.


Já em Mein Kampf (1925) Hitler clarificara a localização do novo Grande Império Alemão; situava-se a Leste, cobrindo genericamente o território que a Alemanha controlara momentaneamente em 1918 após o Tratado de Brest-Litovsk. A invasão conjunta da Polónia por Hitler e Stalin originou duas zonas de ocupação distintas cabendo aos alemães o Ocidente e aos soviéticos o Oriente. As duas áreas tinham composições étnicas díspares com a zona alemã a deter uma expressiva maioria polaca enquanto a zona soviética albergava significativas minorias ucranianas e bielorrussas.

Para governar a anexação alemã foi criada uma região administrativa, o Governo-Geral, cujo controlo foi depositado nas mãos de Hans Frank, um advogado e ex-freikorps da confiança do Führer. Este governo suplantou a II República da Polónia e assumiu como missão não apenas a gestão dos territórios ocupados, mas o total supressão da nacionalidade, língua e cultura polaca, convertendo os eslavos e os judeus em apátridas visto que os únicos cidadãos que reconhecia eram os alemães étnicos ou volksdeutschen.

Repartição da Polónia ocupada, antes e depois da Operação Barbarossa.

Germanização e supressão da nacionalidade

O processo de “germanização” do território e das populações manifestou-se desde cedo com um controlo estrito de todos aspetos da vida cultural polaca. Os teatros polacos foram encerrados e substituídos por teatros alemães; os aparelhos radiofónicos foram proibidos e foram instalados nas ruas megafones que emitiam propaganda nazi.

A língua alemã substituiu a polaca na vida pública. A transformação manifestava-se na sinalização e na própria toponímia “Lodz passou a chamar-se Litzmannstadt; Poznan tornou-se Posen”. A “germanização” subverteu o sistema educativo. Todas as universidades polacas foram encerradas sobrevivendo apenas o ensino básico e profissional. De acordo com Heinrich Himmler em Maio de 1940 “O único objetivo deste programa escolar deve ser: aprender aritmética simples no máximo até 500; escrever o próprio nome; aprender a doutrina segundo a qual é uma lei divina obedecer aos Alemães, ser honesto, trabalhador e bom. Acho que não é necessário saber ler (…)”.

Logo no início da guerra foi conduzida uma purga da intelligentsia polaca. Esta operação foi levada a cabo por esquadrões das SS e envolveu o assassinato em larga escala de elites culturais e políticas identificadas como inimigas do Reich. Estava aberto o caminho para a instalação de uma polícia e função pública inteiramente alemãs sem a colaboração das quais a implementação do Generalplan Ost se revelaria impossível.


Reinstalação de alemães étnicos e limpeza étnica

“O dever do RKFDV subdividia-se em 3: supervisionar a repatriação de Alemães étnicos provenientes do estrangeiro; manter Polacos e Judeus sob vigilância na Polónia ocupada de modo a ‘eliminar’ a sua ‘influência nefasta’; e, ao expulsá-los em números suficientes, permitir o repovoamento dos Alemães que chegassem nas regiões anexadas em particular.” Mark Mazower, “O Império de Hitler”, página 81.

Alemães étnicos chegam de comboio para se estabelecer na Polónia ocupada. circa 1942.

Seis civis polacos enfrentam um pelotão de fuzilamento nazi. 1939.

Em 1939 é criado o Comissariado do Reich para a Consolidação da Nacionalidade Alemã (RKFDV), chefiado por Himmler, com a missão de coordenar a reinstalação de colonos alemães étnicos nos territórios conquistados pelo Reich. Vários acordos germano-soviéticos nesse sentido vão permitir o repatriamento de membros da diáspora alemã residentes em territórios soviéticos. Os volksdeutschen são conduzidos a campos de recepção onde recebem formação antes de serem colocados nos novos assentamentos.

A criação destes colonatos pressupõe a evacuação dos territórios das suas populações nativas e os nazis vão recorrer a todos os meios para o conseguir. Um programa de deportações em massa vai enviar os pobres untermenschen para além dos Montes Urais, para territórios tão inóspitos quanto a Sibéria. Outros vão alimentar a máquina de servidão implementada pelos nazis na qual “as condições de trabalho eram de tal forma opressivas (…) que eram vistos pelos detidos como centros de extermínio”.

Enquanto os eslavos eram vistos pelos nazis como mão-de-obra barata para o Reich, esperava-se que os judeus sofressem uma “morte histórica”. Esta divisão tornou-se clara com a criação de uma rede de ghettos por todo o Leste da Europa onde as populações judaicas foram segregadas.

O início da Operação Barbarossa em 1941 vai radicalizar a política racial nazi que se transformou numa “Vernichtungskrieg – uma guerra de aniquilação – contra o inimigo «judeu-bolchevique»” e as execuções com armas de fogo vão dar lugar ao assassínio industrial em campos de extermínio. Do total de 11 milhões de judeus europeus registados na Conferência de Wannsee (1942) entre 5 a 6 milhões morreram durante a guerra.

Um padre austríaco que visitou o complexo de campos de concentração de Mauthausen relatou deste modo a sua experiência: "Estive várias vezes quase para vomitar. De facto nós viemos da civilização. E aqui dentro?... Que triste realização do nosso século arrogante, esta hediondez, este afundamento numa falta de civilização sem precedentes, e, ainda por cima, no coração da Europa!".


Rede de campos de concentração e de extermínio nazis no Leste da Europa.


Conclusões

À medida que a guerra alastrava e a vitória parecia cada vez mais uma miragem, também o repovoamento do Leste se distanciava da realidade. Como Mazower afirmou, a facilidade com que os alemães destruíam populações de ditos untermenschen não se replicava na simultânea criação dos seus substitutos populacionais.

Genericamente falando, os povos “germânicos” das conquistas ocidentais não partilhavam o entusiasmo das altas patentes nazis de emigrar para as conquistas orientais, e nem os alemães propriamente ditos mostravam o desejo de encarnar o ideal de pioneiro nazi. O recrudescer de milícias eslavas dentro dos territórios do Generalplan Ost agravaram ainda mais a situação dos colonos e dos alemães étnicos, sendo ambos obrigados a abandonar os cenários de guerra em que se encontravam.

Segundo Mazower, o repovoamento efectivamente terminou na prática a partir de 1942, à medida que a resistência aumentava e cada vez mais candidatos elegíveis à “germanização” rejeitavam a sua nacionalidade com medo de represálias.

O revés de Stalingrad em 1943, bem como o avanço do Exército Vermelho, deitaram por terra as ambições nazis de um vasto império oriental habitado por camponeses "racialmente puros", juntamente com a experiência nacional-socialista no seu todo.


Bibliografia

MAZOWER, Mark. O Continente das Trevas: o Século XX na Europa, Edições 70 (1998).
MAZOWER, Mark. O Império de Hitler: O Domínio Nazi na Europa Ocupada, Penguin (2008).


LAC e ASA