sábado, 12 de janeiro de 2019

ÉMILE ZOLA E O CASO DREYFUS



Neste dia 13 de Janeiro, em 1898, Émile Zola publica no periódico parisiense L’Aurore a sua carta aberta ao presidente francês “J’Accuse…!”, envolvendo-se assim na controvérsia em torno da condenação por espionagem do capitão Alfred Dreyfus.










Alfred Dreyfus foi um oficial de artilharia do exército francês, de origem judaica. Nascido no seio de uma família com fortuna no sector têxtil, era natural da província da Alsácia, anexada pela Alemanha na sequência da humilhante derrota francesa na Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871. 



Quando em 1894 uma empregada de limpeza infiltrada pelos serviços secretos franceses na Embaixada alemã se depara com um documento suspeito no lixo do adido militar, começa a caça ao espião dentro das forças armadas. O documento, que ficará para a História pelo nome bordereau, continha informações classificadas sobre uma super-arma em desenvolvimento, uma peça de artilharia de alto calibre. 



A busca foi restringida aos oficiais de artilharia que tinham acesso ao projecto, entre os quais o impopular Capitão Dreyfus, visto com desconfiança entre os militares devido à sua ascendência judaica e alsaciana. Apenas com base na comparação de caligrafias e numa análise grafológica, a investigação estabeleceu Dreyfus como “o autor provável” do bordereau, apesar das reservas demonstradas por alguns dos envolvidos. 



O frenesim mediático que acompanhou o caso tornou a imparcialidade impossível. Um tribunal militar reuniu-se à porta fechada com o objectivo de proceder a um julgamento célere, longe das opiniões inflamadas. A pouca consubstanciação ou total inexistência de provas foi um problema para a acusação que forjou um dossier secreto cuja peça central era uma elusiva carta do adido alemão em que se mencionava “ce canaille de D…” (esse patife do D). A acusação não teve dúvidas: o "D" era de Dreyfus!



Após ser submetido a uma ultrajante cerimónia militar, em que debaixo dos urros da multidão lhe são arrancados os galões de oficial, Dreyfus é degredado para a colónia penal da Ilha do Diabo, na costa da Guiana Francesa. A causa desesperada de Dreyfus vai ter um paladino inabalável no seu irmão mais velho, Mathieu Dreyfus, que vai empenhar todos os meios ao seu dispor para ilibar o irmão.

Alfred Dreyfus na Ilha do Diabo

A brecha no caso vai provir de um herói improvável, o novo chefe dos serviços secretos franceses Coronel Georges Picquart. No decorrer das operações de vigilância à Embaixada alemã, Picquart vai ter acesso a um telegrama não enviado entre o adido alemão e um oficial do exército francês, o Major Walsin-Esterházy. Ao contrapor a escrita de Esterházy com a do bordereau, o Coronel fica convicto da inocência de Dreyfus. Quando transmite a descoberta fica chocado com a reacção evasiva dos seus superiores que o vão afastar para a Tunísia num esforço para encobrir a verdade.

Em Novembro de 1897 Mathieu Dreyfus publica uma reprodução do bordereau no jornal Le Figaro, tornando o escândalo público. Isto vai permitir a identificação da assinatura de Esterházy no documento pelo seu banqueiro. A causa dos Dreyfusards (apoiantes de Dreyfus) ganha ímpeto com a adesão de grandes vultos do mundo intelectual como Émile Zola, Octave Mirbeau ou o futuro presidente da França, Georges Clemenceau, cujos escritos e palavras de ordem vão contribuir decisivamente para a reabertura do caso. 

Perante a crescente pressão dos Dreyfusards o Major Esterházy é julgado, mais uma vez em tribunal militar e à porta fechada. Previsivelmente, Esterházy é absolvido pelos militares, renitentes em admitir os seus próprios logros. As tensões escalam entre os grupos rivais que se amotinam e confrontam nas ruas. 

É este ambiente inflamável que Zola vai incendiar com “J’Accuse…!” denunciando temerariamente o complot contra Dreyfus, explicitando o nome de todos os envolvidos. O ataque cirúrgico do romancista tinha como objectivo expô-lo como alvo dos tribunais, forçando uma revisão do caso. A atenção internacional que o artigo recebe torna o julgamento de Zola inevitável, resultando na sua condenação à pena máxima de um ano de prisão, à qual escapa através de fuga para Inglaterra. 

Émile Zola no seu julgamento

O artigo de Émile Zola é o ponto que assinala a viragem do caso e o início da reposição da verdade. O retorno do escritor do exílio só lhe é permitido em 1899, ainda a tempo de assistir à repetição do julgamento de Dreyfus, regressado da Ilha do Diabo para o efeito. Entretanto, a inocência de Dreyfus tornava-se por demais evidente: uma vez a salvo em solo inglês o Major Esterházy confessara a autoria do bordereau; o Inspetor Henry, que conduzira o caso desde o início, suicidara-se na prisão, mas não sem antes confessar ter forjado provas para incriminar Deyfrus.


Naquele que ficou conhecido como o julgamento de Rennes, o tribunal manteve o veredicto de culpado de Dreyfus que foi todavia amnistiado e libertado. Apenas em 1906 a sentença será finalmente revertida. Infelizmente, Zola já não viverá para ver concretizada a justiça pela qual lutou; morre em 1902 devido à inalação de uma quantidade letal de monóxido de carbono proveniente de uma chaminé defeituosa. Muitos estudiosos não descartaram a possibilidade de ter sido assassinado por inimigos políticos, no entanto, nada foi provado.


LAC

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