Durante aproximadamente meio ano, entre 23 de Junho e 2 de Dezembro de 1940, a zona ribeirinha de Belém em Lisboa foi palco de uma exposição de cariz propagandístico no âmbito das culturas lusófonas e da sua História. Em retrospectiva, seria considerado o evento mais relevante da vida cultural do Estado Novo, beneficiando à época de uma enorme cobertura mediática internacional. Previamente em 1934, já se realizara no Palácio de Cristal do Porto a I Exposição Colonial, hoje interpretada como um ensaio para a Exposição do Mundo Português. Embora o grosso das acções tenham tido lugar em Lisboa, assistiu-se a uma verdadeira mobilização nacional para a celebração: realizaram-se cortejos, serviços religiosos, desfiles alegóricos, discursos e congressos um pouco por todo o país.
Concebida na tradição das grandes exposições, e na sequência da participação portuguesa nas que tiveram lugar em Paris (1937), Nova Iorque e São Francisco (1939), em Portugal esta só viria a encontrar paralelo muito mais tarde na Expo '98. O evento, à época na vanguarda da propaganda dos regimes autoritários, foi organizado pelo Secretariado da Propaganda Nacional e teve colaboração de diversos artistas modernistas. Os seus responsáveis máximos foram Augusto de Castro e o Ministro das Obras Públicas Duarte Pacheco, destacando-se também o arquitecto-chefe Cottinelli Telmo que concebeu grande parte dos espaços.
Assinalou simultaneamente as comemorações da Fundação da Nação Portuguesa (1140) e da Restauração da Independência (1640), assim como a consolidação do Estado Novo enquanto regime político. Com esta imponente exposição o Estado Novo pretendia associar-se aos grandes feitos da História de Portugal, não só conferindo uma noção de continuidade histórica mas formulando a sua estética de regime regenerador, que refunda a pátria em sintonia com os intemporais valores da nacionalidade. Em suma, a ideia de um passado mítico legitimador do presente. Perspectivando este evento, António Ferro já o clarificava em Abril de 1938:
"1140 explica 1640, tal como 1640 prepara 1940. São os três anos sagrados da nossa história, o ano do nascimento, o ano da Restauração e o ano que glorifica a ressurreição! Aquilo que iremos festejar não será tanto o Portugal de ontem, o de D. Afonso Henriques e de D. João IV, mas o Portugal de hoje, o de Carmona e de Salazar."
Coincidindo com o primeiro ano da Segunda Guerra Mundial a exposição pretendeu apresentar Lisboa como uma cidade-modelo, que contrastava com a Europa beligerante. Estima-se que a exposição tenha sido visitada por 3 milhões de pessoas, alguns deles refugiados de guerra, em trânsito para o Novo Mundo. Era este o "oásis de paz" que impressionou os que cá passaram, como o piloto e escritor francês Antoine de Saint-Exupéry:
"Lisboa surgiu-me como uma espécie de paraíso claro e triste. Lisboa, que edificou a mais deslumbrante exposição que já houve no mundo, sorri com um sorriso pálido. Errei melancolicamente por ela. É de um bom gosto extremo, tudo parece tocar a perfeição! Portugal aferra-se à ilusão da sua felicidade, fala com uma confiança desesperada. À falta de exército, à falta de canhões, o país ergueu contra o ferro invasor todas as suas sentinelas de pedra: os exploradores, os conquistadores, os poetas."
O único país estrangeiro convidado a participar foi o Brasil de Getúlio Vargas, que sob o signo do lusotropicalismo simbolizava o "génio colonizador português". Ao regime brasileiro foi atribuído um pavilhão onde apresentou a sua visão vanguardista para o país. A secção de etnografia colonial foi povoada pelas diversas nações africanas que constituíam então o império colonial português, representadas em várias instalações.
O espaço das Aldeias Portuguesas, com as quais os visitantes lusos se identificavam intuitivamente, afirmava o princípio da ruralidade a implementar no Portugal de Salazar. Esta é mais uma manifestação da política de espírito promovida por António Ferro: a ideia de um Portugal rural e tradicional mas simultaneamente renovado e modernizado pelo Estado Novo.
O Ex-Libris da exposição foi no entanto a Nau de Portugal ancorada no Tejo, uma reconstituição de um galeão da Carreira da Índia dos séculos XVII e XVIII. Fora construída obedecendo a critérios de autenticidade histórica, recorrendo apenas a madeiras portuguesas e brasileiras, nos estaleiros do Mestre Manuel Maria Mónica, na Gafanha da Nazaré. No entanto, pouco depois de largar ferro da Doca do Bom Sucesso, a nau adernaria, acabando mesmo por tombar lateralmente.
Tendo a exposição sido maioritariamente composta por arte efémera, para comprovar a sua existência restam hoje a Praça do Império, o Museu de Arte Popular e o Padrão dos Descobrimentos (reconstruído por ocasião das Comemorações Henriquinas de 1960 à imagem do modelo original em gesso).
Tendo a exposição sido maioritariamente composta por arte efémera, para comprovar a sua existência restam hoje a Praça do Império, o Museu de Arte Popular e o Padrão dos Descobrimentos (reconstruído por ocasião das Comemorações Henriquinas de 1960 à imagem do modelo original em gesso).
LAC
Sem comentários:
Enviar um comentário