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quinta-feira, 6 de junho de 2019

ESPECIAL GUERRA FRIA: MURO DE BERLIM



A adesão ao Plano Marshall, bem como outras formas de ajuda financeira prestadas à Alemanha Ocidental por parte dos Estados Unidos, permitiram que a República Federal florescesse social e economicamente, em acentuado contraste com a República Democrática Alemã (RDA) sob a influência soviética.

Uma mulher tenta espreitar através do muro em 1961

A falta de liberdades políticas assim como as carências económicas que se verificavam na RDA levariam cerca de 2,7 milhões de Alemães de Leste a fugir para Ocidente entre 1949 e 1961. Uma parte considerável dos refugiados eram trabalhadores especializados e intelectuais cuja fuga ameaçava comprometer a viabilidade económica do próprio estado.

Esta sangria demográfica assumiu os contornos de uma verdadeira crise para o regime comunista que desenvolve a partir de 1952 planos para a construção de um muro que separasse as duas Alemanhas.

Em Agosto de 1961 é erigida uma barreira de arame farpado que paulatinamente evolui para um muro de betão com mais de 3 metros de altura e cerca de 150 km de comprimento, protegido por torres de vigia, campos de minas, cães-polícia e guardas armados com ordens para atirar a matar.

Um refugiado corre durante tentativa de fuga (16 de Outubro de 1961)

No bloco soviético o muro foi propagandeado como uma barreira de protecção contra elementos fascistas que conspiravam para evitar a construção de um estado socialista na Alemanha de leste, daí a sua denominação Antifaschistischer Schutzwall (Muralha Anti-Fascista). Do lado ocidental, o chanceler Willy Brandt cunhou o termo "Muro da Vergonha", evocando as restrições do muro à liberdade de movimento. 

O Muro de Berlim tornou-se o símbolo físico da separação ideológica na Europa entre o Ocidente liberal e o Leste comunista. Ao longo da sua existência cerca de 5.000 alemães de Leste lograram por vários meios atravessar o muro e atingiram Berlim Ocidental em segurança, enquanto outros 5.000 foram capturados e 191 foram mortos a tentar.

Em Outubro de 1989, numa reacção em cadeia à vaga de democratização que varria o Bloco Soviético, os comunistas conservadores foram afastados do poder. No dia 9 de Novembro de 1989, após semanas de agitação social, o governo anuncia que todos os cidadãos da RDA estavam autorizados a visitar a Alemanha Ocidental.

Cidadãos no topo do muro em frente ao Portão de Brandemburgo (10 de Novembro de 1989)

Uma multidão de alemães em euforia ocorreram ao muro e juntaram-se em celebração. Ao longo das semanas que se seguiram brechas cada vez maiores foram sendo abertas no muro e fragmentos recolhidos como souvenirs; mais tarde o governo recorreria a máquinas industriais para remover o restante. A queda da Muro de Berlim abriu caminho para a Reunificação da Alemanha, formalizada no dia 3 de Outubro de 1990 e pôs fim à separação física e ideológica que vigorou na Europa durante a Guerra Fria.




LAC

ESPECIAL GUERRA FRIA: DÉTENTE


É denominado como Détente o período da Guerra Fria caracterizado pelo desanuviamento das tensões nas relações Estados Unidos-União Soviética, datado genericamente entre 1969 e 1979. Foi uma era de cooperação e trocas comerciais entre as duas super-potências, cuja maior evidência foram os tratados SALT para a limitação de armas estratégicas, que ocasionaram uma interrupção temporária da corrida ao armamento e redução da probabilidade de uma guerra nuclear. Esta conjuntura teria fim em 1979 com a invasão soviética do Afeganistão e novo escalar das tensões. 


Richard Nixon e Henry Kissinger, os arquitectos da Détente

Em finais da década de 1960 a União Soviética parecia perto de igualar o arsenal nuclear dos Estados Unidos. Em 1969 Richard Nixon é eleito presidente dos Estados Unidos com a promessa eleitoral de retirar as tropas americanas da Guerra do Vietname, um atoleiro que já tinha custado a vida a 30.000 americanos. Nixon esperava que uma melhoria das relações com a União Soviética e a China coloca-se pressão sobre o Vietname do Norte para uma resolução pacífica do conflito, que não pusesse em causa a honra militar americana.


Richard Nixon e o seu Conselheiro de Segurança Nacional Henry Kissinger rejeitavam a ideia de um Containment rígido e desejavam aumentar a fluidez do tabuleiro geopolítico da Guerra Fria. No dealbar da década de 1970 são dados passos no sentido de uma relação mais construtiva com a União Soviética entre os quais o mais significativo é a visita do presidente norte-americano a Moscovo. Num período de arrefecimento das relações sino-soviéticas, Nixon visitara a China alarmando Brezhnev para a necessidade de encontrar uma solução perante a possibilidade dos seus maiores rivais entrarem numa aliança contra ele.


Visita de Nixon à República Popular da China (1972)

A visita de Nixon a Moscovo converte-o no primeiro presidente americano a visitar território soviético após as conversações de paz da Segunda Guerra Mundial. Nixon e Brezhnev firmaram sete acordos destinados a evitar a confrontação militar: tratados de controlo de armamento (na senda do acordado nas conversações SALT), programas de cooperação em várias áreas como a exploração espacial e tratados comerciais.


Em Junho de 1973 foi a vez do secretário-geral do Partido Comunista soviético Leonid Brezhnev visitar os Estados Unidos. Apesar dos resultados práticos desta visita terem sido ténues, foi uma reafirmação da vontade política dos dois países de se entenderem.

Um terceiro encontro foi realizado em Junho de 1974 mas a sua efectividade foi posta em causa pela inviabilização do acordo SALT II pelo Congresso Americano e pelo rebentar do escândalo de Watergate que levaria à queda da administração Nixon.


Leonid Brezhnev e Richard Nixon (19-06-1973)

No teatro europeu o espírito da Détente manifestou-se na Ostpolitik do chanceler alemão social-democrata Willy Brandt. Esta atitude de abertura ao Bloco Soviético materializou-se no reconhecimento da República Democrática Alemã e na aceitação das fronteiras europeias do Pós-Segunda Guerra Mundial. Este plano envolveu visitas de reconciliação a estados inimigos durante a Segunda Grande Guerra, com as visitas de Brandt a Moscovo e a Varsóvia.


Após a demissão de Nixon este é sucedido por Gerald Ford cuja administração não pautou pela política externa. O presidente James Carter assumiu uma postura dual em relação à União Soviética: embora favorável aos acordos do SALT II, aumentou o orçamento de defesa e perseguiu uma agenda de direitos humanos que antagonizou os soviéticos. Com o advento da eleição de Ronald Reagan em 1980 a visão de Nixon e Kissinger de uma Détente chegava ao fim com o recrudescer de tensões decorrente do conflito afegão e nova corrida ao armamento.


LAC

quarta-feira, 5 de junho de 2019

ESPECIAL GUERRA FRIA: PRIMAVERA DE PRAGA


É referido como Primavera de Praga o efémero período de liberalização e reivindicação política ocorrido em 1968 na República Socialista da Checoslováquia sob a égide de Alexander Dubcek. A partir da sua ascensão ao cargo de secretário-geral do Partido Comunista checoslovaco (KSC) em Janeiro de 1968, Dubcek vai empreender uma série de reformas conducentes à descentralização da economia e à democratização do sistema político.


Logo em Janeiro o novo governo anuncia um abrandamento da censura e programas de reabilitação para vítimas do terror stalinista. Em Abril promulgou revisões constitucionais que previam a autonomia da Eslováquia, acrescidas garantias civis e um plano com vista à democratização paulatina do regime político. Dubcek pretendia reformar o sistema por dentro e propunha-se a criar, nas palavras do próprio, “um socialismo com face humana”.

Em Junho uma fracção considerável do povo checo aplaudia a mudança e clamava por uma aceleração do processo de democratização. Os desenvolvimentos não foram no entanto do agrado de todos e não tardou para a União Soviética e outros países do Pacto de Varsóvia rotularem as medidas de Dubcek de contra-revolucionárias.


No dia 20 de Agosto mais de meio milhão de tropas e blindados do Pacto de Varsóvia invadem e procedem à ocupação militar da Checoslováquia. Apesar de não ter havido resistência militar organizada, os checos demonstraram a sua união ao levar a cabo aquele que se mantém ainda hoje como um dos mais evocados exemplos de desobediência civil. Através de acções de guerrilha, sabotagem e protesto dificultaram a ocupação do seu país, inicialmente prevista pelos soviéticos de demorar quatro dias acabando por se arrastar durante oito meses.

Debaixo dos olhares do mundo, a resistência checa viveu momentos dramáticos como a auto-imolação do estudante universitário de 20 anos Jan Palach na Praça Wenceslas no dia 16 de Janeiro de 1969. Palach sucumbiria das suas queimaduras quatro dias depois e torna-se-ia o símbolo da resistência contra a agressão soviética. O seu funeral no dia 25 de Janeiro foi um dos momentos altos da contestação com várias dezenas de milhares de pessoas a tomarem parte numa marcha em sua homenagem. O seu exemplo inspirou pelo menos duas outras acções semelhantes: a do estudante Jan Zajíc no mesmo local e a do fabricante de ferramentas Evzen Plocek em Jihlava.


O "mártir" checo Jan Palach (1948-1969)

No rescaldo da invasão, os comunistas de linha dura são reconduzidos ao poder com Gustáv Husák a encabeçar o novo governo, dando início ao denominado período da "Normalização". As reformas efémeras da Primavera de Praga são revertidas, com excepção do estatuto autónomo da Eslováquia. Dubcek é deposto e mais tarde expulso do partido.

A Checoslováquia permaneceria debaixo do jugo da União Soviética até 1989, quando a Revolução de Veludo suavemente afastou o regime comunista pondo fim a mais de quatro décadas de totalitarismo. Em Junho de 1990 o povo checo era convidado a participar nas primeiras eleições pluralistas e no ano seguinte as últimas tropas soviéticas retiravam do território. Por fim, no dealbar do ano de 1993 a Checoslováquia dividia-se nos dois estados actuais da República Checa e Eslováquia.


LAC

terça-feira, 4 de junho de 2019

ESPECIAL GUERRA FRIA: REVOLUÇÃO HÚNGARA


Na sequência da morte de Joseph Stalin em 1953 a retórica adoptada pelo seu sucessor Nikita Khrushchev pareceu apontar no sentido de uma liberalização das repúblicas soviéticas. No vigésimo congresso do PCUS (Partido Comunista da União Soviética) Khruschev denunciou o terror stalinista e o culto de personalidade erguido em torno do ditador, fazendo antever um período de abertura e abrandamento da repressão. No bloco soviético esta tendência materializa-se na admissão de comunistas moderados nos governos da Hungria e da Polónia.


Desde 1947 que a Hungria era governada pelo regime stalinista de Mátyás Rákosi que a partir de Março de 1953 vai empossar o progressista Imre Nagy como seu primeiro-ministro. Segue-se a queda do próprio Rákosi que é substituído pelo "igualmente conservador" Ernest Gerö que imediatamente depõe o recém-empossado Nagy. A demissão de Nagy em 1955 lança ondas de choque entre os reformistas húngaros e vai ser vista como um grande recuo que não tardará em ter consequências.

Michael Rougier—The LIFE Picture Collection/Getty Images

No dia 23 de Outubro de 1956 a frustração das expectativas liberalizantes do povo húngaro vai motivar 50.000 protestantes a conglomerarem-se no centro de Budapeste. Os manifestantes reivindicam a retirada das tropas soviéticas, a convocação de eleições pluralistas, a libertação dos presos políticos e a recondução de Nagy ao poder. Quando postos militares e policiais estratégicos são capturados e os cidadãos se apossam de armamento, dá-se início à Revolução Húngara.

O governo situacionista solicita de imediato a intervenção militar soviética para restaurar a ordem. O governo revolucionário chefiado por Nagy vai tomar posse, mantendo à cautela o conservador Gerö na liderança do partido. Com a insurreição sem sinais de abrandar, Gerö não tardará a ser substituído por János Kádar, “um conservador mais pragmático”.

Michael Rougier—The LIFE Picture Collection/Getty Images

A 28 de Outubro a agitação parece serenar com os confrontos entre facções a tornarem-se mais esporádicos. Este período de interrupção vai permitir a Nagy adoptar as primeiras medidas revolucionárias com a incorporação de membros não-comunistas no governo e a abolição da AHV (polícia política). Entretanto as forças do Exército Vermelho levam a cabo uma retirada estratégica e abandonam território húngaro.

Estes desenvolvimentos levaram os revolucionários húngaros a acreditar erroneamente que a revolução estava ganha e até mesmo a acção política do Politburo parecia apontar no sentido da não-intervenção. Tudo vai mudar no dia 31 de Outubro com a decisão soviética de lançar uma operação militar em larga escala contra a Hungria. A 4 de Novembro o Exército Vermelho entra em Budapeste e reprime a sublevação “com uma força militar esmagadora”.

Na ressaca dos acontecimentos Imre Nagy será detido, julgado e fuzilado. O situacionista entretanto exilado János Kádar voltará da Rússia para instaurar o regime que governará com punho de ferro os destinos da nação ao longo dos próximos 32 anos.


Fonte bibliográfica:

BOYLE, Peter Gerard; "The Hungarian Revolution and the Suez Crisis" in History, Journal of the Historical Association, Volume 90 (300), pp. 550-565; Blackwell Publishing Limited; Oxford, Reino Unido (11 de Outubro de 2005).


LAC

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

A GUERRA DE TODOS CONTRA A RÚSSIA


A Guerra da Crimeia foi um conflito decorrido de 1853 a 1856 que opôs a Rússia Imperial a uma coligação entre a Grã-Bretanha, a França e o Império Otomano. É melhor compreendida no contexto da "Questão Oriental", no qual as potências europeias temem as repercussões do iminente colapso do Império Otomano e as mudanças do equilíbrio de poderes na região. As justificativas para a guerra mais evocadas são no entanto de cariz religioso. A Rússia age contra os otomanos como "protectora" dos súbditos cristãos ortodoxos do sultão. Russos (ortodoxos) e franceses (católicos) disputavam direitos sobre locais de culto na Terra Santa. O certo é que, quando a frota russa do Mar Negro afunda uma esquadra turca em Sinope, França e Inglaterra interferem e declaram guerra à Rússia.


Soldados do Regimento 72 Highlanders (Joseph Cundall e Robert Howlett, 1854-56)

Porquanto as motivações da França de Napoleão III se relacionavam mais com a recuperação do prestígio internacional perdido, para a Inglaterra o expansionismo russo representava uma ameaça bem real. O Império Britânico atingia na altura o apogeu do seu poder e extensão, não encontrando rival em parte alguma do globo: apenas a constituição de um império euroasiático pela Rússia poderia ameaçar essa hegemonia.

O choque de interesses entre ingleses e russos proveio antes de mais dos estreitos laços estratégicos e comerciais que uniam os turcos ao Império Britânico. Embora em franca decadência enquanto unidade política, o Império Otomano agigantava-se do Norte de África ao Médio Oriente, dominando vários pontos vitais aos interesses britânicos, nomeadamente os acessos à Índia.


Em Setembro de 1854 a frente anglo-francesa desembarca 50 mil homens na península da Crimeia. As forças aliadas esperavam realizar uma marcha triunfal até à cidade portuária de Sebastopol, a mais importante da Crimeia e a base da frota russa do Mar Negro. Porém um percurso de 50 quilómetros prolongou-se durante mais de um ano, sendo cada palmo de terra ferozmente disputado em sucessivas batalhas e escaramuças.


Entre as dezenas de confrontos existiram três batalhas que se destacaram: Alma (Setembro 1854), Balaclava (Outubro 1854) e Inkerman (Novembro 1854). Enquanto numa fase inicial nas margens do rio Alma as tropas aliadas varreram um contingente russo tecnologicamente despreparado para as realidades da guerra moderna, os restantes encontros foram caracterizados por uma sanguinolência desnecessária e por falhas de comando que custaram a vida a muitos homens. É notório o caso que teve lugar em Balaclava, imortalizado no poema de Lord Alfred Tennyson Charge of the Light Brigade:


"Forward, the Light Brigade!"

Was there a man dismayed?

Not though the soldier knew

Someone had blundered.

Theirs not to make reply,

Theirs not to reason why,
Theirs but to do and die.
Into the valley of Death
Rode the six hundred.   


Valley of the Shadow of Death (Roger Fenton, 1855) - O nascimento da fotografia de guerra

Após a queda do bastião de Malakhov, capturado por tropas francesas, os russos bateram em retirada para defender o último reduto. Finalmente em Setembro de 1855 as forças aliadas alcançavam Sebastopol. A incapacidade de selar hermeticamente a cidade permitiu no entanto que os russos destruíssem as suas infraestruturas e evacuassem as suas forças para o Mar Negro.

Sem mais capacidade para sustentar uma guerra que se advinhava perdida e potencialmente agravada  pela adesão dos Austríacos à aliança inimiga, os russos sentam-se à mesa para negociar a paz que será formalizada no Tratado de Paris em Março de 1856. Todos os territórios capturados durante a guerra foram restituídos ao Império Otomano e a Rússia perdeu posses na Bessarábia para a Moldávia. O rio Danúbio foi aberto ao comércio de outras nações e o Mar Negro foi neutralizado militarmente.    

Embora muitas vezes esquecida a Guerra da Crimeia foi à luz de muitos aspectos a primeira guerra moderna. Foi o primeiro conflito com recurso a caminhos de ferro, comunicação por telégrafo, barcos a vapor e armas de fogo nunca antes vistas. Foi a primeira guerra a ser documentada através da objectiva da câmara fotográfica, por fotógrafos pioneiros como Carol Szathmari ou Roger Fenton.

Também se destacou por uma desproporcionada mortandade totalizando 750 mil mortos em pouco mais de dois anos, fazendo antever os horrores das guerras do século XX. Uma parte significativa destas perdas foi causada pela doença e pelas condições deploráveis a que estes homens foram submetidos. Esta crise humanitária despertou na época a solidariedade de enfermeiras que acorreram aos soldados, como a jamaicana Mary Seacole ou a britânica Florence Nightingale, esta última revolucionando o tratamento de feridos de guerra.


https://www.britannica.com/event/Crimean-War

http://www.history.com/topics/british-history/crimean-war LAC

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

A ABOLIÇÃO DA SERVIDÃO NA RÚSSIA


Os primeiros vestígios de servidão da gleba em território russo podem ser remetidos ao século XI, ainda durante o período da Kievan Rus'. Mas foi apenas no século XVII que a servidão se tornou a forma predominante de relação entre aristocracia e camponeses. Em 1649, o Czar Alexandre decretou, de forma estancar as fugas de camponeses, que estes não poderiam abandonar as suas terras de cultivo, não tendo os mesmos o direito de as possuir. A servidão atingiu o seu paroxismo durante o reinado de Catarina, a Grande, período durante o qual a nobreza russa foi mais poderosa.

Alexandre II proclama a emancipação dos servos, por Gustav Dittenberger

Na segunda metade do século XIX a Rússia torna-se a par da França o país mais populoso da Europa e experiencia uma galopante expansão demográfica. Este excedente populacional quase totalmente rural e campesino não tardará a abalar as bases de um sistema de hierarquia social quasi-feudal.

"Em lugar de todas as esplêndidas divisões de um povo russo livre entre as três classes livres da nobreza, dos mercadores e do resto, encontro na Rússia duas classes: os escravos do soberano e os escravos dos senhores. Os primeiros só são chamados livres em relação aos segundos, mas não existem pessoas realmente livres na Rússia, excepto os mendigos e os filósofos."

Estas palavras foram retiradas de um memorando de 1802, redigido por Speransky, um desapaixonado alto funcionário da corte do Czar Alexandre I. Descreve uma sociedade de estratificação tão rígida e burocracia tão insondável que aniquila sem esforço toda a tentativa de mudança social ou política. Estamos perante uma ordem social em estado de perfeita cristalização.

Os ventos de mudança e também os intercâmbios estudantis, que se tornam frequentes a partir do reinado de Catarina II, levam à emergência de uma ala reformista e modernizadora no seio da corte do Czar Nicolau I. Esta ala é favorável a uma maior "europeização" da Rússia, na linha do pretendido por Pedro, o Grande. Desenvolvem aspirações de instaurar um regime constitucional que prevê a abolição da servidão da gleba, vista como caduca a partir de meados do século XIX. A esta nova aristocracia impregnada de ideias ocidentais vai dever-se o golpe liberal falhado em Dezembro de 1825.

Retrato de família do Czar Alexandre II da Rússia, 1860's (Getty Images).

O Czar Nicolau I, embora visto como "a própria encarnação da reacção", não era totalmente adverso à ideia do fim da servidão. Temia, no entanto, os desequilíbrios que a decisão podia causar e as suas consequências imprevisíveis. Pretende evitar a todo o custo a emergência de um enorme proletariado que a libertação dos servos da gleba poderia precipitar. Além do mais, acabar com uma instituição na qual a sociedade russa se apoiara ao longo de séculos iria certamente enfurecer a velha aristocracia, o único grupo com capacidade para o derrubar.

O impasse advindo das tentativas goradas de pôr fim à servidão gera por um lado o crescendo das insurreições campesinas até 1860 e por outro uma reacção feudal violenta. Multiplicam-se os distúrbios nos campos, que assumem várias formas: sabotagem, pilhagem, incêndios, assassinatos e motins. É neste clima de agitação campesina que os senhores feudais agravam ainda mais as condições da servidão: as retomas das terras de cultivo tornam-se mais prestas e aumentam-se os dias de trabalho gratuito que os servos devem ao seu senhor.

Após a morte de Nicolau I em 1855, sucede-lhe Alexandre II, que é depositário das esperanças dos servos numa mudança estrutural. O jovem czar usufrui do estado de graça que é característico do início dos reinados e é visto como reformador e liberal. Segundo as suas próprias palavras: "É preciso fazer a reforma de cima para baixo, em lugar de esperar que ela seja imposta de baixo para cima".

Exercendo a prudência que lhe foi característica, o czar mostrou a intenção de deixar o benemérito moral da emancipação dos servos à nobreza. No entanto, os reformistas iluminados no seio da aristocracia não eram mais que uma minoria e expectavelmente o grupo não agiu contra os seus próprios interesses. A 3 de Março de 1861 Alexandre II promulgava a abolição da servidão, uma reforma imposta pela autocracia ao estilo de Pedro, o Grande, que lhe valeu o cognome de O Libertador.

Com a abolição começaram os verdadeiros desafios, cujo principal se centrava na questão das posses da terra. A forma mais brutal e economicamente eficaz de solucionar o problema seria a chamada "maneira prussiana", que consistia pura e simplesmente na concessão da liberdade pessoal aos servos sem a atribuição de qualquer terra. A solução foi encontrada no direito concedido ao campesinato de resgatar para si uma parte menor das terras - na maioria dos casos uma parte menor do terreno que eles já cultivavam como rendeiros. No entanto, estas transferências de terra foram efectuadas mediante uma indemnização dos camponeses ao domínio, amiúde calculadas por alto, totalizando dívidas a serem pagas até um prazo de 49 anos; deste modo, muitos destes camponeses começaram a sua existência em liberdade com uma onerosa dívida por cima das suas cabeças.

Czar Alexandre II (1818-1881) jazendo em cerimónia fúnebre (Getty Images).

Apesar destas reformas, o governo autocrático acabaria por custar caro ao imperador que após quatro tentativas falhadas é assassinado pelos revolucionários do grupo Vontade do Povo em 1881. As últimas medidas do czar são interpretados como tendentes à criação de um parlamento russo. Deste modo, a morte de Alexandre II revelar-se-ia um revés para a causa constitucional, quando o seu sucessor Alexandre III impõe medidas draconianas e aumenta a repressão dos movimentos revolucionários.     


Bibliografia:

NÉRÉ, Jacques; História Universal: O Mundo Contemporâneo; Círculo de Leitores; 1978.


LAC