Os primeiros vestígios de servidão da gleba em território russo podem ser remetidos ao século XI, ainda durante o período da Kievan Rus'. Mas foi apenas no século XVII que a servidão se tornou a forma predominante de relação entre aristocracia e camponeses. Em 1649, o Czar Alexandre decretou, de forma estancar as fugas de camponeses, que estes não poderiam abandonar as suas terras de cultivo, não tendo os mesmos o direito de as possuir. A servidão atingiu o seu paroxismo durante o reinado de Catarina, a Grande, período durante o qual a nobreza russa foi mais poderosa.
Na segunda metade do século XIX a Rússia torna-se a par da França o país mais populoso da Europa e experiencia uma galopante expansão demográfica. Este excedente populacional quase totalmente rural e campesino não tardará a abalar as bases de um sistema de hierarquia social quasi-feudal.
"Em lugar de todas as esplêndidas divisões de um povo russo livre entre as três classes livres da nobreza, dos mercadores e do resto, encontro na Rússia duas classes: os escravos do soberano e os escravos dos senhores. Os primeiros só são chamados livres em relação aos segundos, mas não existem pessoas realmente livres na Rússia, excepto os mendigos e os filósofos."
Estas palavras foram retiradas de um memorando de 1802, redigido por Speransky, um desapaixonado alto funcionário da corte do Czar Alexandre I. Descreve uma sociedade de estratificação tão rígida e burocracia tão insondável que aniquila sem esforço toda a tentativa de mudança social ou política. Estamos perante uma ordem social em estado de perfeita cristalização.
Os ventos de mudança e também os intercâmbios estudantis, que se tornam frequentes a partir do reinado de Catarina II, levam à emergência de uma ala reformista e modernizadora no seio da corte do Czar Nicolau I. Esta ala é favorável a uma maior "europeização" da Rússia, na linha do pretendido por Pedro, o Grande. Desenvolvem aspirações de instaurar um regime constitucional que prevê a abolição da servidão da gleba, vista como caduca a partir de meados do século XIX. A esta nova aristocracia impregnada de ideias ocidentais vai dever-se o golpe liberal falhado em Dezembro de 1825.
O Czar Nicolau I, embora visto como "a própria encarnação da reacção", não era totalmente adverso à ideia do fim da servidão. Temia, no entanto, os desequilíbrios que a decisão podia causar e as suas consequências imprevisíveis. Pretende evitar a todo o custo a emergência de um enorme proletariado que a libertação dos servos da gleba poderia precipitar. Além do mais, acabar com uma instituição na qual a sociedade russa se apoiara ao longo de séculos iria certamente enfurecer a velha aristocracia, o único grupo com capacidade para o derrubar.
O impasse advindo das tentativas goradas de pôr fim à servidão gera por um lado o crescendo das insurreições campesinas até 1860 e por outro uma reacção feudal violenta. Multiplicam-se os distúrbios nos campos, que assumem várias formas: sabotagem, pilhagem, incêndios, assassinatos e motins. É neste clima de agitação campesina que os senhores feudais agravam ainda mais as condições da servidão: as retomas das terras de cultivo tornam-se mais prestas e aumentam-se os dias de trabalho gratuito que os servos devem ao seu senhor.
Após a morte de Nicolau I em 1855, sucede-lhe Alexandre II, que é depositário das esperanças dos servos numa mudança estrutural. O jovem czar usufrui do estado de graça que é característico do início dos reinados e é visto como reformador e liberal. Segundo as suas próprias palavras: "É preciso fazer a reforma de cima para baixo, em lugar de esperar que ela seja imposta de baixo para cima".
Exercendo a prudência que lhe foi característica, o czar mostrou a intenção de deixar o benemérito moral da emancipação dos servos à nobreza. No entanto, os reformistas iluminados no seio da aristocracia não eram mais que uma minoria e expectavelmente o grupo não agiu contra os seus próprios interesses. A 3 de Março de 1861 Alexandre II promulgava a abolição da servidão, uma reforma imposta pela autocracia ao estilo de Pedro, o Grande, que lhe valeu o cognome de O Libertador.
Com a abolição começaram os verdadeiros desafios, cujo principal se centrava na questão das posses da terra. A forma mais brutal e economicamente eficaz de solucionar o problema seria a chamada "maneira prussiana", que consistia pura e simplesmente na concessão da liberdade pessoal aos servos sem a atribuição de qualquer terra. A solução foi encontrada no direito concedido ao campesinato de resgatar para si uma parte menor das terras - na maioria dos casos uma parte menor do terreno que eles já cultivavam como rendeiros. No entanto, estas transferências de terra foram efectuadas mediante uma indemnização dos camponeses ao domínio, amiúde calculadas por alto, totalizando dívidas a serem pagas até um prazo de 49 anos; deste modo, muitos destes camponeses começaram a sua existência em liberdade com uma onerosa dívida por cima das suas cabeças.
Apesar destas reformas, o governo autocrático acabaria por custar caro ao imperador que após quatro tentativas falhadas é assassinado pelos revolucionários do grupo Vontade do Povo em 1881. As últimas medidas do czar são interpretados como tendentes à criação de um parlamento russo. Deste modo, a morte de Alexandre II revelar-se-ia um revés para a causa constitucional, quando o seu sucessor Alexandre III impõe medidas draconianas e aumenta a repressão dos movimentos revolucionários.
Bibliografia:
NÉRÉ, Jacques; História Universal: O Mundo Contemporâneo; Círculo de Leitores; 1978.
LAC
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