terça-feira, 30 de outubro de 2018

OCUPAÇÃO DA POLÓNIA E POLÍTICA RACIAL NAZI


“A anexação dos Sudetas (…) pôs fim à época dos Tratados sobre as Minorias e deu início a uma abordagem mais brutal das tensões étnicas europeias. As garantias legais foram substituídas por transferências forçadas de populações.” Mark Mazower, O Continente das Trevas, p. 192.

Rendição de judeus aos soldados alemães na sequência da Revolta do Gueto de Varsóvia. 1943. 

No seu livro Hitler’s Empire, Mark Mazower descreve em detalhe o falhanço anunciado dos planos de colonização e limpeza étnica em grande escala reservados para a Polónia por parte dos alemães. Tais planos não surgiram com Hitler, mas retiravam inspiração de modelos que circulavam entre as elites políticas do Kaiserreich e que certamente seriam postos em prática num cenário de derrota russa na Grande Guerra. Não só se procurou retomar as áreas perdidas com o Tratado de Versalhes de 1919, mas também anexar uma área que, segundo estimativas da altura, era cerca de 90% polaca. Para além disto, o que se verificava no interior do Reich era uma emigração em massa de Leste para Oeste, em directa oposição ao ideário nazi de avançar rapidamente para o Oriente e substituir a população autóctone por uma classe de camponeses-soldado (wehrbauer) capazes de consolidar as novas fronteiras alemãs. Este plano foi parcialmente realizado durante a Segunda Guerra Mundial resultando directa ou indirectamente na morte de milhões de eslavos e judeus devido à fome, doença e extermínio. A sua implementação revelou-se impraticável e foi impedida pelo avanço do Exército Vermelho e pela derrota da Alemanha nazi.

Com a queda da Polónia em setembro de 1939, as elites nazis viram-se confrontadas com as dificuldades de implementação do seu plano megalómano: Como proceder à expulsão destas populações? Como inverter a tendência história de migração para Oeste do povo alemão? Como garantir um contingente de colonos em número suficiente para executar o Drang nach Osten? Este trabalho pretende alertar para as atrocidades cometidas por pessoas sobre a influência de uma ideologia assassina, esclarecer quais eram os seus planos e demonstrar como e porque no fim falharam.



A Ocupação


“Estamos a pôr um ponto final na perpétua marcha alemã para o Sul e Oeste da Europa e a virar-nos para os territórios de Leste.” Adolf Hitler.

“A Polónia forneceria uma passagem para o Leste e uma fonte de mão-de-obra – um Arbeitsreich para o Herrenvolk, segundo a expressão de Hitler pouco depois da invasão.” Mark Mazower, O Continente das Trevas, página 176.


Já em Mein Kampf (1925) Hitler clarificara a localização do novo Grande Império Alemão; situava-se a Leste, cobrindo genericamente o território que a Alemanha controlara momentaneamente em 1918 após o Tratado de Brest-Litovsk. A invasão conjunta da Polónia por Hitler e Stalin originou duas zonas de ocupação distintas cabendo aos alemães o Ocidente e aos soviéticos o Oriente. As duas áreas tinham composições étnicas díspares com a zona alemã a deter uma expressiva maioria polaca enquanto a zona soviética albergava significativas minorias ucranianas e bielorrussas.

Para governar a anexação alemã foi criada uma região administrativa, o Governo-Geral, cujo controlo foi depositado nas mãos de Hans Frank, um advogado e ex-freikorps da confiança do Führer. Este governo suplantou a II República da Polónia e assumiu como missão não apenas a gestão dos territórios ocupados, mas o total supressão da nacionalidade, língua e cultura polaca, convertendo os eslavos e os judeus em apátridas visto que os únicos cidadãos que reconhecia eram os alemães étnicos ou volksdeutschen.

Repartição da Polónia ocupada, antes e depois da Operação Barbarossa.

Germanização e supressão da nacionalidade

O processo de “germanização” do território e das populações manifestou-se desde cedo com um controlo estrito de todos aspetos da vida cultural polaca. Os teatros polacos foram encerrados e substituídos por teatros alemães; os aparelhos radiofónicos foram proibidos e foram instalados nas ruas megafones que emitiam propaganda nazi.

A língua alemã substituiu a polaca na vida pública. A transformação manifestava-se na sinalização e na própria toponímia “Lodz passou a chamar-se Litzmannstadt; Poznan tornou-se Posen”. A “germanização” subverteu o sistema educativo. Todas as universidades polacas foram encerradas sobrevivendo apenas o ensino básico e profissional. De acordo com Heinrich Himmler em Maio de 1940 “O único objetivo deste programa escolar deve ser: aprender aritmética simples no máximo até 500; escrever o próprio nome; aprender a doutrina segundo a qual é uma lei divina obedecer aos Alemães, ser honesto, trabalhador e bom. Acho que não é necessário saber ler (…)”.

Logo no início da guerra foi conduzida uma purga da intelligentsia polaca. Esta operação foi levada a cabo por esquadrões das SS e envolveu o assassinato em larga escala de elites culturais e políticas identificadas como inimigas do Reich. Estava aberto o caminho para a instalação de uma polícia e função pública inteiramente alemãs sem a colaboração das quais a implementação do Generalplan Ost se revelaria impossível.


Reinstalação de alemães étnicos e limpeza étnica

“O dever do RKFDV subdividia-se em 3: supervisionar a repatriação de Alemães étnicos provenientes do estrangeiro; manter Polacos e Judeus sob vigilância na Polónia ocupada de modo a ‘eliminar’ a sua ‘influência nefasta’; e, ao expulsá-los em números suficientes, permitir o repovoamento dos Alemães que chegassem nas regiões anexadas em particular.” Mark Mazower, “O Império de Hitler”, página 81.

Alemães étnicos chegam de comboio para se estabelecer na Polónia ocupada. circa 1942.

Seis civis polacos enfrentam um pelotão de fuzilamento nazi. 1939.

Em 1939 é criado o Comissariado do Reich para a Consolidação da Nacionalidade Alemã (RKFDV), chefiado por Himmler, com a missão de coordenar a reinstalação de colonos alemães étnicos nos territórios conquistados pelo Reich. Vários acordos germano-soviéticos nesse sentido vão permitir o repatriamento de membros da diáspora alemã residentes em territórios soviéticos. Os volksdeutschen são conduzidos a campos de recepção onde recebem formação antes de serem colocados nos novos assentamentos.

A criação destes colonatos pressupõe a evacuação dos territórios das suas populações nativas e os nazis vão recorrer a todos os meios para o conseguir. Um programa de deportações em massa vai enviar os pobres untermenschen para além dos Montes Urais, para territórios tão inóspitos quanto a Sibéria. Outros vão alimentar a máquina de servidão implementada pelos nazis na qual “as condições de trabalho eram de tal forma opressivas (…) que eram vistos pelos detidos como centros de extermínio”.

Enquanto os eslavos eram vistos pelos nazis como mão-de-obra barata para o Reich, esperava-se que os judeus sofressem uma “morte histórica”. Esta divisão tornou-se clara com a criação de uma rede de ghettos por todo o Leste da Europa onde as populações judaicas foram segregadas.

O início da Operação Barbarossa em 1941 vai radicalizar a política racial nazi que se transformou numa “Vernichtungskrieg – uma guerra de aniquilação – contra o inimigo «judeu-bolchevique»” e as execuções com armas de fogo vão dar lugar ao assassínio industrial em campos de extermínio. Do total de 11 milhões de judeus europeus registados na Conferência de Wannsee (1942) entre 5 a 6 milhões morreram durante a guerra.

Um padre austríaco que visitou o complexo de campos de concentração de Mauthausen relatou deste modo a sua experiência: "Estive várias vezes quase para vomitar. De facto nós viemos da civilização. E aqui dentro?... Que triste realização do nosso século arrogante, esta hediondez, este afundamento numa falta de civilização sem precedentes, e, ainda por cima, no coração da Europa!".


Rede de campos de concentração e de extermínio nazis no Leste da Europa.


Conclusões

À medida que a guerra alastrava e a vitória parecia cada vez mais uma miragem, também o repovoamento do Leste se distanciava da realidade. Como Mazower afirmou, a facilidade com que os alemães destruíam populações de ditos untermenschen não se replicava na simultânea criação dos seus substitutos populacionais.

Genericamente falando, os povos “germânicos” das conquistas ocidentais não partilhavam o entusiasmo das altas patentes nazis de emigrar para as conquistas orientais, e nem os alemães propriamente ditos mostravam o desejo de encarnar o ideal de pioneiro nazi. O recrudescer de milícias eslavas dentro dos territórios do Generalplan Ost agravaram ainda mais a situação dos colonos e dos alemães étnicos, sendo ambos obrigados a abandonar os cenários de guerra em que se encontravam.

Segundo Mazower, o repovoamento efectivamente terminou na prática a partir de 1942, à medida que a resistência aumentava e cada vez mais candidatos elegíveis à “germanização” rejeitavam a sua nacionalidade com medo de represálias.

O revés de Stalingrad em 1943, bem como o avanço do Exército Vermelho, deitaram por terra as ambições nazis de um vasto império oriental habitado por camponeses "racialmente puros", juntamente com a experiência nacional-socialista no seu todo.


Bibliografia

MAZOWER, Mark. O Continente das Trevas: o Século XX na Europa, Edições 70 (1998).
MAZOWER, Mark. O Império de Hitler: O Domínio Nazi na Europa Ocupada, Penguin (2008).


LAC e ASA


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