domingo, 27 de março de 2022

NERO E O INCÊNDIO DE ROMA


Nero é um imperador romano conhecido pelas piores razões. Na cultura popular é retratado como o monstro que mandou incendiar Roma por puro capricho. Na atualidade alguns historiadores disputam esta visão, que foi firmada pelos escritos de Tácito, Suetónio e Dião Cássio, que o descreveram quase sempre de forma desfavorável. 

"Tinha uma altura média, o corpo marcado com cicatrizes e um odor desagradável, o cabelo ligeiramente dourado. A sua saúde era boa, embora se tivesse envolvido numa série de excessos descomunais, só esteve doente três vezes durante os 14 anos do seu reinado." Suetónio, As Vidas dos Doze Césares

 

Reconstituição artística de Nero, pelo projeto Césares de Roma


Nero Cláudio César Augusto Germânico nasceu a 15 de dezembro de 37 , em Antium, uma pequena cidade portuária na planície do Lácio. O seu pai foi Cneu Domício Enobarbo, descendente de uma prestigiada família romana. Apesar da eminência social do pai, foi o ramo materno que o conduziu aos meandros do poder. Agripina era filha de Germânico, irmã de Calígula e neta de César Augusto.

O reinado de Nero começou bem. O imperador ofereceu generosos donativos à guarda pretoriana e prometeu regressar a uma governação baseada nos princípios de Augusto: o senado obteria um papel mais relevante na governação e existiria maior liberdade para expor opiniões e ideias políticas. Apesar da aparente moderação do imperador, muitos senadores não se conformaram com a afastamento de Britânico, filho do anterior imperador Cláudio, que viam como legítimo sucessor. Foi sem grande surpresa que em 55 Britânico foi envenenado num banquete presidido e organizado pelo próprio Nero. Após a neutralização da seu principal adversário político, Nero consolidou o seu poder como imperador, contava apenas 17 anos de idade.


"Agripina coroa Nero" (Museu de Afrodísias, Turquia)


Na continuação da onda de assassinatos por si desencadeada, o mais famoso ocorreu quando mandou executar a própria mãe Agripina, por suspeitas de esta querer governar através de si. Segundo as crónicas, o imperador convidou a mãe para um passeio em alto-mar, no qual simulou um acidente que atirou Agripina borda fora. No entanto, a mãe de Nero era uma excelente nadadora e conseguiu alcançar a costa, o que levou o imperador a mandar a sua guarda pessoal acabar o serviço.

Aos assassinatos juntaram-se escândalos pessoais de teor sexual e conjugal. Em 58, Nero apaixonou-se por Popeia Sabina, uma mulher de beleza ímpar segundo os relatos da época. Popeia era casada com Marco Otão, um dos senadores mais próximos de Nero, que viria também ele a ser imperador. Nero afastou Otão com um cargo de governador na Lusitânia e desenvolveu uma relação sexual com Popeia, iniciando de imediato um plano para se divorciar da sua mulher Octávia, com a justificação de que esta seria estéril. A paixão de Nero e a gravidez de Popeia Sabia não impediram o imperador de pontapear a sua amada até à morte em 63, num acesso de fúria na sequência de uma discussão familiar.

O culminar da brutalidade de Nero terá sido o incêndio de Roma, em 64. Um acontecimento que gera polémica entre historiadores mas que fontes da época (Suetónio e Dião Cássio) apontam Nero como responsável. O incêndio começou no Circo Máximo e rapidamente se propagou por toda a cidade, durando cinco dias e provocando milhares de mortos. Porém, o relato de que o imperador tocava lira enquanto Roma ardia não passa de um mito. É sabido que Nero não se encontrava em Roma no decorrer do incêndio. O imperador estava em Antium e regressou quando tomou conhecimento da dimensão da catástrofe. Apesar da sua ausência, todas as suspeitas recaíram sobre Nero que alegadamente quereria libertar terrenos na capital para construir a luxuosa Casa Dourada. Para dissipar as suspeitas, Nero acusou os cristãos e aproveitou a aproximação dos Jogos Olímpicos para realizar uma viagem à Grécia e afastar as atenções.


Frescos da Casa Dourada de Nero


Em 67, a relação do imperador com o senado deteriorou-se. Para reconstruir Roma foram lançados pesados impostos por todo o império que fizeram eclodir revoltas em várias províncias. Em 68, o governador Júlio Vindex da Gália Lugdunense liderou uma revolta mas foi derrotado pelos exércitos do Reno leais ao imperador. No mesmo período, o poderoso general Galba, governador da Hispânia, ganhou popularidade em Roma e muitos senadores apoiaram a sua pretensão ao trono.

Abandonado por todos, a guarda pretoriana deixou Nero à sua sorte, que viveu os seus últimos dias escondido, até se suicidar para não ser capturado pelos homens de Galba. O último imperador da dinastia júlia-claudiana morreu com apenas 30 anos.



Vicente Pulido Valente

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