sábado, 27 de março de 2021

BATALHA DE CANNAE: A MAIOR DERROTA ROMANA


Em cerca de 200 a. C. o mar Mediterrâneo era disputado pelas duas maiores potências da época: os romanos da Península Itálica e os cartagineses, centrados no que é atualmente território tunisino. A ambição de dominar a principal via marítima e comercial do Mundo Antigo vai ser a causa por detrás das três Guerras Púnicas, que culminaram com a destruição de Cartago e com a afirmação de Roma como potência hegemónica.  As Guerras Púnicas vão imortalizar figuras como Cipião Africano e Aníbal Barca, que são ainda hoje celebrados pelos seus feitos bélicos.  


Aníbal atravessa os Alpes, num fresco que integra a Sala de Aníbal do Palazzo dei Conservatori


A dimensão da bacia mediterrânea demonstrou ser demasiado curta para a ambição das duas principais potências do segundo século antes de Cristo, que procuravam afirmar-se em detrimento da outra como actor hegemónico na região. Durante alguns séculos, Cartago foi senhora do Mediterrâneo, usufruindo de uma marinha mercante bastante desenvolvida e do poder da sua armada, que era a mais forte do mundo conhecido. Além disso as possessões cartaginesas na Hispânia, Sicília, Sardenha e Córsega disponibilizavam uma enorme variedade de recursos alimentares e valiosos para trocas comerciais. Na província da Nova Cartago (actual Cartagena), a existência de minas de ouro fortaleceu a posição cartaginesa em relação à República Romana. 


Territórios Cartagineses no decorrer da 1ª Guerra Púnica

Numa fase inicial o principal objecto de rivalidade foi a ilha da Sicília e em particular a cidade de Siracusa, que constituiu um palco de guerra por mais de duas décadas. Entre  264-241 a. C. Roma e Cartago opõem-se na Primeira Guerra Púnica, da qual os romanos saem vencedores, impondo termos abusivos para aceitar a rendição de Cartago. Os derrotados perderam vários territórios e foram obrigados a pagar elevadassímas indemnizações para compensar o custo de guerra da República Romana. Naquele período, o Senado Romano pensou erradamente que a ruína económica de Cartago era suficiente para a sua subjugação, duvidando que a sua rival alguma vez recuperasse da situação em que se encontrava.

Nas três décadas seguintes, Cartago recuperou a sua pujança económica e mercantil, expandindo o seu império até às margens da próspera Hispânia e estabelecendo uma rede de cidades costeiras no sul do Mediterrâneo. Durante as campanhas de conquista na Hispânia contra Lusitanos e Celtiberos, emerge a figura de Aníbal Barca, um membro da casa reinante cartaginesa que moderniza os exércitos cartagineses, procedendo à incorporação de tropas de várias proveniências africanas e europeias. A  recuperação de Cartago e o fortalecimento dos seus exércitos fizeram soar os alarmes dos romanos, que esperavam ansiosamente por um pretexto para iniciar um novo conflito. A oportunidade surgiu quando o exército cartaginês de Aníbal saqueou uma cidade aliada de Roma, provocando uma declaração imediata de guerra por parte do Senado.


O episódio mítico do "Juramento de Aníbal", numa pintura de Benjamin West (1770)

Ao saber desta escalada das relações entre os dois países, Aníbal decidiu antecipar-se e levar o conflito ao território romano, atravessando os Alpes em pleno Inverno e entrando em Itália na Primavera de 217 a. C. No seguimento desta investida, o Senado Romano foi enviando sucessivos exércitos que seriam derrotados um a um por Aníbal, que ganhava uma aura de invencibilidade. Uns meses mais tarde, o exército cartaginês impôs uma enorme derrota às legiões romanas na Batalha do Lago Trasimeno. Desesperado, o Senado nomeia Quinto Fábio Máximo como cônsul e elege-o como comandante das legiões romanas com a missão de travar a todo o custo o avanço dos cartagineses.  Habituado a uma estratégia ofensiva, o Senado Romano rejeitou a estratégia do novo comandante que trocou o confronto directo por uma táctica de terra queimada e de pequenas escaramuças, com objectivo de desgastar e enfraquecer gradualmente as hostes inimigas.  

Apesar do sucesso inicial desta estratégia, a impaciência crescia entre os senadores, já que Aníbal não dava sinais de retirar. Neste sentido, resolvem retirar o poder a Quinto Fábio Máximo e nomear no seu lugar Lúcio Emílio Paulo e Caio Terêncio Varão. Com o propósito de esmagar de uma vez por todas o invasor cartaginês, Roma levanta um vasto exército de dez Legiões (cerca de 50 mil homens). Apesar da vantagem numérica a má relação entre os dois comandantes minou a unidade desta força militar. Consciente do génio táctico de Aníbal, Quinto Fábio Máximo defendia uma estratégia cautelosa, enquanto o inexperiente Varão apenas pensava em atingir a glória através de um ataque em força. 

No dia 2 de Agosto de 216 a. C. as tropas romanas prepararam-se para enfrentar os cartagineses. Posicionaram-se no habitual tabuleiro de xadrez, com os comandantes Varrão e Emílio Paulo a ocuparem as duas alas, deixando o comando do centro romano para Marco Atílio e Cneo Servílio Germino. Do lado oposto, Aníbal teceu o que se viria a revelar uma armadilha mortal, posicionando a sua vanguarda em semi-círculo, com a parte convexa a oferecer-se como um convite para o ataque directo das forças romanas.

 

Posição dos exércitos em batalha 


Nos flancos do exército cartaginês foi posicionada a cavalaria pesada, comandada por Asdrúbal Barca no flanco direito e por Hanão, filho de Bomílcar, no flanco esquerdo. No bloco central encontrava-se a infantaria gaulesa e líbia, reforçada com equipamentos capturados aos romanos em batalha anteriores. A este bloco central de infantaria seguiam-se duas alas constituídas por uma combinação heterogéneo de tropas ibéricas e celtas, treinadas pelos cartagineses e convertidas numa força eficiente e disciplinada. No momento inicial da batalha, os romanos procuram explorar aquilo que julgam ser um ponto fraco no exército cartaginês e atacam o centro em força, enquanto se esforçam por conter os flancos. Tal como Aníbal previu, o excesso de confiança dos romanos e a maior concentração de tropas no centro, favoreceram a realização da armadilha que tinha planeado.

Perante a colisão ao centro, as linhas cartaginesas fingem ceder terreno e simulam uma retirada, concentrando ainda mais as forças romanas que acreditam estar perto da vitória. Em rápida sequência, uma investida coordenada da cavalaria cartaginesa esmagou a cavalaria romana nos flancos, ao mesmo tempo que as tropas de elite cartaginesas escondidas por detrás das linhas do centro atacam os flancos da infantaria.  Neste momento o centro cartaginês que simulara uma falsa retirada, iniciou uma nova investida que foi apertando os romanos na zona central do campo de batalha, não dando espaço e tempo para que os romanos conseguissem reorganizar o posicionamento das suas tropas. O cerco hermético ficou selado quando a restante cavalaria cartaginesa atacou a retaguarda das legiões romanas e dando início a um massacre de várias horas que aniquilou todo o exército romano. No final do dia jaziam no campo de batalha cerca de 50 mil soldados romanos mortos.

    

A armadilha cartaginesa


O triunfo de Aníbal e dos cartagineses foi total. Nunca antes um exército tão numeroso fora aniquilado com tão poucas perdas (as baixas entre os cartagineses rondaram os seis mil). Seria necessário aguardar mais de um milénio pelos horrores de Verdun e do Somme na Primeira Guerra Mundial, para um confronto militar entre dois exércitos resultar num número tão elevado de perdas humanas.

Apesar da vitória esmagadora de Aníbal em Cannae, a falta de homens e de recursos nunca lhe permitiram realizar um ataque directo à capital romana, permanecendo por alguns anos em território italiano, sem conseguir nunca alcançar um desenlace definitivo ou levar o senado a render-se incondicionalmente.  Tirando proveito da estadia prolongada de Aníbal em Itália, os romanos fizeram incursões em território cartaginês, onde se notabiliza pela primeira vez a figura de Cipião Africano, que seria mais tarde o responsável pela derrota final de Aníbal em Zama. 


Bibliografia

" A Queda de Cartago" de Adrian Goldsworthy


Vicente Pulido Valente


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