domingo, 3 de abril de 2022

REPRESENTAÇÕES DA MEDUSA


Segundo Ovídio, a união incestuosa entre Fórcis e Ceto gerou as três Górgonas, criaturas monstruosas com os cabelos feitos de serpentes cuja mera visão transformava quem as contemplasse em pedra. A única mortal das irmãs era Medusa, que se distinguia pelos seus cabelos louros e para quem a maldição fora castigo divino por ter sido violada por Neptuno, no templo de Minerva. Medusa seria decapitada pelo herói Perseu, que a surpreendeu durante o sono e evitou ser petrificado ao contemplá-la através de um escudo mágico oferecido pelos deuses.

"Neptuno, senhor dos mares, violou Medusa no templo de Minerva. Para que não ficasse impune, ela transformou os cabelos da Górgona em horríveis serpentes." Metamorfoses de Ovídio

 

Perseu com a cabeça de Medusa de Benvenuto Cellini (1545-54)

I. MEDUSA DE GIAN LORENZO BERNINI (c. 1638-1648)

Busto de Medusa de Bernini, Museus Capitolinos, Roma

A Medusa foi um motivo clássico recuperado a partir do Alto Renascimento e que foi retratado por diversos artistas barrocos como Bernini, Caravaggio ou Peter Paul Rubens. A representação de Bernini difere das restantes: contrariamente às pinturas de Caravaggio ou Rubens, que representam a cabeça decepada no desenlace do confronto com Perseu, a escultura de Bernini mostra-nos uma Medusa viva e em plena transformação.

Nenhuma das tentativas anteriores tinha conseguido capturar a ambiguidade moral da Medusa: uma jovem górgona, descrita por vezes como bela, sobre a qual se abateu a terrível maldição de se transformar numa criatura monstruosa. Não podemos deixar de intuir que o autor se condescendeu pela árdua provação da jovem, indo para além da conceção literária e oferecendo-nos um retrato humanizado deste mito grego.

A humanidade da Medusa fica patente no seu estado de descontrolo emocional, com traços exagerados, como é apanágio do barroco. A sua  expressão facial denota uma vívida inteligência: o semblante contorce-se num esgar de sofrimento e ansiedade, exacerbado pelas sobrancelhas desproporcionadas; a sua boca encontra-se entreaberta como se estivesse para chorar, é quase possível imaginar os lábios a tremer.

Especula-se que a inspiração por detrás da escultura de Bernini possa ter sido uma ode do poeta grego Píndaro de cerca de 490 a. C. que descrevia a beleza e aparência física da Medusa antes da transformação.


II. OUTRAS REPRESENTAÇÕES

Cabeça de Medusa de Caravaggio (1597)

Conta a mitologia clássica que após vencer a Medusa, o herói Perseu colocou a sua cabeça num saco, usando a cabeça para resgatar a sua mãe da captura do rei Polidectes de Serifos e para libertar Andrómeda de um monstro marinho. Através de um encantamento, a deusa Minerva colocaria a cabeça da Medusa no escudo de Perseu e é este artefacto mítico que é representado por Michelangelo Merisi da Caravaggio.

Caravaggio realizou duas versões da Cabeça de Medusa num escudo de madeira, presumivelmente inspirado por uma obra prévia de Leonardo Da Vinci que terá existido e foi descrita por Giorgio Vasari num documento de 1568. Esta é a segunda versão realizada para o Cardeal Francesco Maria Del Monte, que se encontra atualmente na Galleria degli Uffizi, Florença.


Medusa de Peter Paul Rubens (c. 1618)

O flamengo Rubens ilustra a decapitação da Medusa em toda a sua repelência. Uma face pálida com olhos arregalados e o cabelo de serpentes que se contorcem e entrelaçam umas nas outras numa desolada paisagem de pedra: algumas lutam, outras mordem-se; do sangue que jorra da cabeça da Medusa nascem pequenas cobras. Frans Snyder, especialista em pintura de animais, terá sido responsável pela pintura das serpentes. Esta obra integra a coleção do Kunsthistorisches Museum de Viena.



Luís Alves Carpinteiro | Cabo Não

2 comentários:

  1. O mito de que a Górgona Medusa é bela, além de não ser da Mitologia Grega nem da Cultura dos helenos é um contra senso, uma vez que Górgona é monstro (marinho), portanto, não pode ser bela; já nasceu Górgona, ou seja, nasceu monstro.

    O poeta romano Ovídio cria um mito totalmente descabido, aliás como o é toda a hilária mitologia romana.

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    1. Obrigado por esclarecer! Não estava a par desta disparidade tão grande entre as fontes gregas e romanas (posteriores)

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