segunda-feira, 8 de outubro de 2018

EGIPTOMANIA: A OBSESSÃO DO OCIDENTE PELO ANTIGO EGIPTO


1. O egiptólogo Howard Carter examina o sarcófago de Tuthankamon (Harry Burton, 1923)

O fascínio dos europeus pelo Egipto é uma história de amor com mais de um milénio. Foi partilhado pelo mundo greco-romano e pelas culturas cristãs que lhe sucederam.

Entre 125 e 134 o imperador romano Adriano mandou construir um jardim à moda egípcia na sua Villa, em memória do seu amante Antinoüs que morrera afogado no rio Nilo. Conhecem-se templos na Grécia dedicados à deusa Ísis desde IV a. C. As representações dessa mesma divindade segurando Hórus seriam um dos protótipos utilizados pelos primeiros cristãos para desenvolver a iconografia da Virgem Maria e do Menino (fig. 2).

2. Ísis e Hórus, Período Ptolomaico (Museum Metropolitan of Art)

A inacessibilidade do Egipto aos europeus a partir da chegada de forças islâmicas belicosas à região em 641, contribuiu para uma concepção mítica da civilização egípcia, criando no imaginário popular um lugar "fora da história". Apesar de praticamente nenhum europeu ter visitado o Egipto durante este período, os artefactos que chegavam à Europa eram testemunho de uma terra estranha e exótica que suscitava paixões e relatos lendários.

O contacto dos europeus com múmias egípcias pode ser traçado até ao século XIII. Existem registos da pulverização das mesmas e do seu consumo como remédio, devido à crença de que trariam benefícios medicinais. Outros propósitos mais utilitários foram o de fertilizante, pigmento ou no fabrico do papel.

3. Vendedor de múmias nas ruas do Egipto (c. 1875)

A redescoberta dos autores clássicos durante a Renascença suscitou um fascínio pelo esoterismo egípcio e em particular pelos textos teológicos de Hermes Trismegisto, que seria mais tarde herdado por sociedades secretas como o Rosacrucianismo ou a Maçonaria.

Este magnetismo espiritual do Antigo Egipto seduziu as elites europeias que adornaram os seus jardins com esfinges e obeliscos. Rafael e Bernini conceberam túmulos piramidais para a nobreza romana, como o mausoléu dos Chigi integrado na Basílica de Santa Maria del Popolo.

Mas foi a invasão do Egipto por Napoleão (1798-1801), bem como a investigação científica que a acompanhou, que despertou a era dourada do interesse ocidental pela cultura egípcia. A gigantesca expedição militar foi integrada por estudiosos, cientistas e artistas que produziram a primeira descrição não-mítica da terra dos faraós, compilada na série de publicações Description de l'Égypte (1809-1829).

A febre só seria intensificada com o anúncio em 1822 de que Jean-François Champollion teria decifrado a Pedra de Roseta, possibilitando deste modo a tradução de hieróglifos e abrindo por fim o livro fechado da história egípcia à curiosidade dos ocidentais.

4. "Bonaparte devant le sphynx" do orientalista francês Jean-Léon Jérôme (1867-1868)  

A Egiptomania do século XIX foi simultaneamente palco de rituais bizarros como as "Mummy Unwrapping Parties", nas quais como o nome sugere, se procedia ao desfazer de múmias perante uma audiência. As múmias e outros artefactos tornaram-se souvenirs cobiçados na alta sociedade europeia, propulsionando um comércio mórbido em bancas de rua (fig. 2).

Esta alta procura gerou um contrabando proveitoso que tornou a violação de túmulos uma prática habitual. Os vendedores desenvolveram formas engenhosas de contrafacção, passando cadáveres de criminosos executados e mendigos por múmias antigas através de um processo que envolvia o enterro dos corpos em areia, a exposição solar e embalsamento em asfalto.

No início dos anos 20, o mundo parou quando o egiptólogo britânico Howard Carter abriu o túmulo de Tutankhamon no Vale dos Reis (fig. 1), que permanecera perdido durante 3 mil anos. Esta descoberta moldou profundamente o imaginário moderno do Antigo Egipto e estimulou manifestações tão díspares como a influência no movimento Art Déco ou no orientalismo do filme de terror "A Múmia" (1932) de Karl Freund.


5. Boris Karloff e Zita Johann em "A Múmia" (1932)


LAC


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