quarta-feira, 29 de agosto de 2018

O RELUTANTE CAMINHO DE PORTUGAL PARA A EUROPA - PARTE II

Depois do 25 de Abril:


Cerca de 15 anos medeiam entre o primeiro acordo comercial de Portugal com a CEE em 1972, ainda sob a égide do Estado Novo, e a integração plena no início de 1986.

No dealbar da década de 1970 o escudo português enfrenta uma acentuada desvalorização que será agravada pela Crise Petrolífera de 1973. Soma-se um conflito sem fim à vista que quebra o ciclo de prosperidade colonial e drena recursos a um ritmo alarmante.

O abandono da EFTA por parte da Grã-Bretanha e a sua subsequente adesão ao mercado comum vai converter a CEE no principal parceiro comercial da economia portuguesa, absorvendo cerca de 55% de todas as exportações em tendência crescente. Mesmo antes do início do processo de adesão ao mercado comum, a tendência integracionista num sistema económico europeu era já uma realidade incontestável.

Em Abril de 1974 o povo português desperta da longa noite da ditadura. O processo revolucionário é complexo e de geometrias políticas variáveis, o parto por vezes caótico de uma democracia sem referências passadas. A fragilidade decorrente do processo poderá comprometer a recuperação económica de um Portugal privado da exploração de recursos coloniais. A necessidade urgente de liquidez financeira torna imperativa a abertura de novos mercados e parcerias comerciais.


Jogadores-chave mantiveram-se atentos ao processo revolucionário; Nesta foto Ramalho Eanes recebe o vice-presidente norte-americano debaixo do escrutínio do embaixador Frank Carlucci. 

Vários esforços paralelos vão ser efectuados no sentido de compensar esta nova realidade entre os quais o reforço da participação portuguesa nos organismos em que está presente, acordos bilaterais com outras nações ou cláusulas de nação favorecida com os países comunistas do COMECON, primeiro em África, depois na Ásia.

É portanto sem estranheza que, findada a fase mais atribulada do PREC, a adesão à Comunidade Europeia se converta numa demanda do governo português, com o pedido de adesão a ser formalizado em Março de 1977. Portugal contava com a Europa para recuperar do atraso crónico e para cimentar os valores de uma democracia incipiente.

A primeira demonstração pós-revolucionária de compromisso com a aproximação à Europa é tomada pelo I Governo Constitucional (1976-1978), encabeçado por Mário Soares. É sob a égide do governo socialista que o Ministro dos Negócios Estrangeiros Medeiros Ferreira se dirige a Bruxelas para assinar um protocolo adicional ao acordo comercial de 1972.

A viragem para a Europa não é consensual entre os portugueses. Uma extrema-esquerda anticapitalista não olha com bons olhos a incorporação de Portugal numa organização que considera um “baluarte capitalista”. A direita autárcica receia igualmente as consequências da adesão para a “identidade portuguesa” e “produção nacional”. A nível parlamentar a decisão é fomentada pelos partidos do arco constitucional (PS, PPD-PSD e CDS) e sofre oposição do PCP e da extrema-esquerda.

Em 1979 as eleições intercalares são saldadas por uma vitória da Aliança Democrática (PPD-PSD, CDS e PPM) que obtêm maioria absoluta em parlamento. Se dúvidas houvera em relação ao rumo europeísta, estas são dissipadas por Francisco Sá Carneiro que define a adesão à CEE como a "prioridade das prioridades". O governo português vai então recorrer à ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional para acelerar o seu desenvolvimento com vista a suavizar a integração no mercado único.
Mário Soares recebe o presidente francês François Mitterand (1981); As boas relações e a energia de Soares revelaram-se fundamentais para a promoção da candidatura portuguesa. 

As negociações de adesão de Portugal e Espanha à CEE foram um processo que se distendeu no tempo, prolongando-se por quase uma década entre 1977 e 1986. São vulgarmente englobadas no “terceiro alargamento” da União Europeia – destinado aos povos do sul da Europa (na sequência da adesão da Grécia em 1981).

Portugal antecipara-se à Espanha requerendo adesão a 28 de Março de 1977, enquanto que os espanhóis só o fizeram a 16 de Junho do mesmo ano. Actualmente é praticamente consensual que Portugal poderia potencialmente ter aderido em menos tempo – tomemos o exemplo grego – só não o tendo feito devido a uma paralelização nefasta das negociações ibéricas e à capitalização do processo por parte de estados-membros. Diferendos quanto às contribuições para o orçamento comunitário e o coevo processo da revisão da Plano Agrícola Comum desempenharam um papel central no arrastar das negociações.

Sem o saber, Portugal entrava num “comboio em andamento”. Após a estagnação da década de 70, a CEE desencadeava um ciclo de aceleramento e expansão que mutaria a alma do projecto. O alargamento ibérico coincidiu com o Ato Único Europeu (18 de Fevereiro de 1986) e foi seguido do Tratado de Maastricht (7 de Fevereiro de 1992). A livre-circulação de pessoas, bens e capitais postulada pelo AUE e a unificação política e monetária de Maastricht fundariam uma nova era de colaboração europeia cada vez mais estreita.


Fontes Bibliográficas:
CHAVES, Miguel Matto (2013). As Negociações de Adesão de Portugal à CEE. Almedina.
MATTOSO, José (dir.) MEDEIROS FERREIRA, José (coord.) (1994). História de Portugal, vol. 8, pp. 138-1973. Editorial Estampa.
CUNHA, Alice; "Portugal, Espanha e Europa" in Relações Internacionais, nº 48, pp. 25-41. IPRI - Universidade Nova de Lisboa (2015).


LAC

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