sexta-feira, 24 de agosto de 2018

O RELUTANTE CAMINHO DE PORTUGAL PARA A EUROPA - PARTE I

Antes do 25 de Abril:


Durante o período do Estado Novo Portugal nutriu uma relação paradoxal com o resto da Europa, na qual um regime autoritário contrário aos “valores ocidentais” era tolerado numa contradição ideológica aparente. Esta permissividade foi motivada por razões de ordem diversa que oscilaram consoante o momento histórico e a conjuntura geopolítica dele decorrente.

Nos seus primórdios na transição da década de 20 para 30, a formação de um estado autoritário em Portugal está alinhada com uma Europa predominantemente antidemocrática.

Na fase inicial da Segunda Guerra Mundial Portugal assume uma "neutralidade equidistante" que tanto lhe permite fornecer matérias-primas à Alemanha de Hitler como apoiar logisticamente os britânicos. A viragem da guerra vai permitir ao regime assumir uma "neutralidade colaborante" com os Aliados, de forma a melhor posicionar-se no advento de um novo concerto europeu. A derrocada das Potências do Eixo e as vagas de democratização que se seguiram vão tornar o regime crescentemente anacrónico e isolado politicamente. Porém diversos factores de natureza geográfica e geopolítica vão abonar a favor da integração de Portugal numa esfera de influência ocidental.

Perante o colapso eminente do III Reich os "Big Three" reúnem-se em Yalta para deliberar sobre o novo concerto europeu; É já notório o clima de suspeição que cavará um fosso entre os "aliados de ocasião" (Fevereiro de 1945).

A nova ordem do Pós-Guerra confirmaria a ascensão de dois poderes tendencialmente hegemónicos que bipolarizarão o mundo em esferas de influência durante quase meio século: Os Estados Unidos da América e a União Soviética. No reverso da roda encontravam-se as velhas potências imperiais europeias, que além de enfrentarem a árdua tarefa de reconstrução das suas sociedades, sentiam o soprar forte dos ventos da mudança que ameaçam desagregar os seus impérios coloniais.

A primeira base militar estrangeira nos Açores foi estabelecida pelos britânicos em 1943. A importância estratégica continuada do arquipélago atlântico revela-se um trunfo negocial nas mãos dos diplomatas portugueses. Do mesmo modo, a evolução da Doutrina Truman (1947) e o auge da retórica anti-comunista da Guerra Fria fará com que regimes como o de Salazar sejam tolerados e até vistos com alguma benevolência pelo seu papel na repressão da expansão de ideias comunistas.

Portugal beneficia ainda da sua posição de interlocutor ibérico preferencial; debaixo da ditadura franquista a Espanha assume-se como tendencialmente mais isolacionista e não se demarca de uma proximidade desconfortável das nações derrotadas do Eixo.

É da disforia generalizada do Pós-Segunda Guerra Mundial, da “miséria” e do “medo” da ameaça soviética, que nascerão os primeiros projectos de cooperação europeia. A Europa ocidental congregar-se-á em torno dos Estados Unidos para fazer face à expansão do comunismo internacionalista, corporizado pela União Soviética de Estaline.

Fica patente a formação de um bloco ocidental a partir da formação da aliança político-militar consagrada pelo Tratado do Atlântico Norte em 1949, secundada pela ajuda financeira americana aos estados europeus através dos Planos Marshall. Embora reticentemente, Portugal vai aderir a ambos.

As divergências políticas são notórias - Portugal possui o único regime de cariz não-democrático entre os membros da NATO - porém "os portugueses desejam pertencer à NATO e os americanos desejavam tê-los lá".      


Assinatura do Tratado do Atlântico Norte com presidente norte-americano Harry Truman em destaque; Portugal representado pelo embaixador Pedro Teotónio Pereira (24-08-1949, MPI-Getty Images).


A inclusão nos Planos Marshall é tardia e plena de contradições: se inicialmente Portugal rejeita qualquer ajuda, assumindo-se inclusive como possível doador, numa segunda fase já aceitava a ajuda "quanto mais melhor". Isto deveu-se principalmente à deterioração da balança de pagamentos em 1948 que levou Portugal a apresentar à OECE um plano de reconstrução económica que só seria parcialmente satisfeito.

Em suma, Portugal foi aderindo como membro-fundador a quase todos os projetos intergovernamentais que se fizeram no mundo ocidental: a OECE (1948), a NATO (1949) ou a EFTA (1960). A integração portuguesa é no entanto relutante e seletiva. Deve ser entendida segundo os quadros ideológicos de natureza soberanista e autárcica do regime salazarista: recetivo a projetos de cooperação económica e até militar, mas instintivamente receoso dos que exigissem, de forma real ou aparente, uma partilha de soberania.


As excepções que confirmam esta regra são a não-inclusão na CEE e numa menor dimensão a entrada tardia na ONU em 1955 (não por vontade própria, a adesão foi barrada pelo veto da União Soviética em 1946). Talvez mais importantemente, Salazar receava que o novo ambiente de cooperação internacional encorajasse outros países a imiscuírem-se nos “assuntos portugueses”, nomeadamente “se traduzisse em pressões (…) sobre a orientação política do regime ou a sua soberania colonial”.


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Fontes Bibliográficas:
ROLLO, Maria Fernanda (1994). Portugal e o Plano Marshall in Análise Social, vol. 29, nº 128, pp. 841-869.
TEIXEIRA, Nuno Severiano (1999). Portugal e a NATO in Nação & Defesa, nº 89, 2ª série, pp. 15-41.
PEREIRA, Pedro Cantinho (2006). Portugal e o Início da Construção Europeia in Nação & Defesa, nº 115, 3ª série, pp. 235-255.
MATTOSO, José (dir.) ROSAS, Fernando (coord.) (1994). História de Portugal, vol. 7, pp. 399-402, 463-466. Círculo de Leitores.
MENESES, Filipe Ribeiro (2009). Salazar. Dom Quixote.
NOGUEIRA, Franco (1980). Salazar: O Ataque. Atlântida Editora.


LAC

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