domingo, 4 de março de 2018

OS CEM DIAS - A ESTRELA CADENTE DE NAPOLEÃO



São referidos como os Cem Dias (Cent Jours, em francês) os cem dias de governo desde o retorno de Napoleão Bonaparte do exílio em Elba (20 de Março 1815) até à restauração ao trono de Luís XVIII (8 de Julho 1815). O termo foi cunhado pelo perfeito de Paris Gaspard de Chabrol, no seu discurso de graças ao reinvestimento do rei bourbon.


Detalhe da pintura "Napoleão atravessa os Alpes", por J. L. David (1800)


Exílio em Elba e regresso a França


Napoleão passa nove meses na ilha de Elba durante os quais assiste impotente às deliberações do Congresso de Viena. Alimenta a esperança de que as imposições violentas dos plenipotenciários, como a dissolução do Império ou a desmobilização da Grande Armée, semeiem a revolta entre o povo francês. As negociações decorriam de forma atribulada, com as potências a discordarem quanto à divisão dos territórios, chegando ao ponto de se temer novo conflito, desta vez entre as nações aliadas. Os russos e os austríacos alimentam uma disputa tão acesa pela Polónia que o czar Alexandre desafia Metternich para um duelo e este só é impedido pela interferência do imperador.

O astuto corso saberá exactamente como tirar vantagem da situação. No dia 26 de Fevereiro (1815) aproveitará a ausência dos militares ingleses para embarcar com uma guarnição no brigue Inconstant. Dirigir-se-ão a Cannes de onde iniciam marcha sobre Paris, sendo recebidos à passagem por populações em júbilo. Ao terem notícia do regresso do seu general, vários militares lhe acorrem engrossando as suas fileiras. Uma descrição semi-lendária atesta o carisma formidável de Napoleão: Quando tropas afectas à causa real interceptam os homens de Napoleão, este enfrenta-as e abrindo o seu gibão para expor o peito, exclama dramaticamente "Se algum de vós quiser disparar sobre o seu imperador, eis-me aqui!". Os realistas, emocionados com aquela atitude, trocam de lado e juntam-se a Napoleão!

A 20 de Março o exército bonapartista alcança Paris. À chegada as forças realistas oferecem pouca ou nenhuma resistência e muitos desertam para se aliar a Bonaparte. O monarca Luís XVIII há uma semana que se encontrava em fuga. Efectuaria uma paragem em Lille antes de cruzar a fronteira franco-belga para se exilar em Gante.


"Napoleão regressa de Elba" por Charles de Steuben (1818) 


Campanha de Waterloo

Os plenipotenciários de Viena tinham reagido ao retorno de Napoleão declarando-o como usurpador do trono e tornando assim possível matá-lo sem quaisquer consequências legais. As forças da coligação anti-napoleónica não tardam a movimentar-se para fazer face ao ressurgimento da ameaça. Se Napoleão alguma vez nutrira esperança de paz, ela estava agora distante e o era confronto inevitável: Grã-Bretanha, Rússia, Prússia e Áustria fazem planos para a invasão conjunta de França.

A ofensiva, que começa no dia 1 de Junho de 1815, levará um exército em vasta superioridade numérica às fronteiras francesas. A campanha de 1812 nos Estados Unidos que opusera os britânicos à sua antiga colónia provocara a dispersão das suas forças e este é um trunfo que Napoleão não se pode dar ao luxo de desperdiçar. O general sabe que não há tempo a perder e opta por lançar um ataque preventivo antes que as tropas inimigas possam reagrupar.

A Campanha de Waterloo foi travada entre a Armée du Nord e dois exércitos da coligação: um anglo-aliado encabeçado pelo Duque de Wellington e outro prussiano comandado pelo Príncipe Blücher. As hostilidades começam no dia 15 de Junho quando as tropas bonapartistas atravessam o rio Sambre, perto de Charleroi. O plano é ocupar o espaço entre os dois acantonamentos militares e aproveitar  a brecha para os atacar separadamente. Ney enfrentará Wellington na Batalha de Quatre Bras e Napoleão enfrentará o prussiano Blücher na Batalha de Ligny. O saldo dos confrontos revelar-se-á favorável para os franceses com Ney a suster Wellington e Napoleão a derrotar os prussianos. A estrela cintilava ainda nesta que seria a última vitória militar de Napoleão.

A vitória auspiciosa estará na origem de um erro estratégico fatal. Assim que teve conhecimento da derrota dos aliados, Wellington iniciou uma manobra de retirada em direcção a Bruxelas. Imediatamente Napoleão deixa a sua ala nas mãos de Grouchy e assume a vanguarda que se lança no encalce de Wellington. O campo de batalha onde Napoleão e o seu adversário se irão enfrentar será  Waterloo.

A Batalha de Waterloo, decorrida a 18 de Junho de 1815, poria fim a 20 anos de guerra quase ininterrupta na Europa. Embora os corpos militares de Wellington e Napoleão se tenham anulado durante largo tempo, com os tropas coligadas a aguentarem sucessivas acometidas dos franceses, a chegada de forças prussianas que Grouchy não conseguira conter acabarão por desequilibrar a balança a favor de Wellington. A estrela de Napoleão fenecia: o seu ocaso dar-se-á nos meses seguintes.


"Lady Elizabeth Butler’s spectacular painting of the Scots Greys charging, the terror and motion of the horses is perfectly captured. In reality the Scots Greys never reached more than a canter over the battlefield’s soggy ground."

"Hillingford’s iconic painting depicts the Duke of Wellington as a dynamic figure as he rallies his men between French cavalry charges."

A Queda

Derrotado, Napoleão abandona o exército e regressa a Paris. Em 22 de Junho será forçado a abdicar pela segunda vez, simbolicamente, fá-lo-ia a favor do filho Napoleão Francisco, Rei de Roma.

É formado um governo provisório encabeçado por Joseph Fouché. Este determina que Napoleão abandone Paris, retirando-se este para o antigo palácio de Joséphine em Malmaison. Será a sua última residência em França. Perante a aproximação de tropas prussianas com ordens de o capturar vivo ou morto, dirige-se para Rochefort fazendo tenções de embarcar e atingir a América.

Porém os seus planos são frustrados quando é interceptado nas malhas do bloqueio marítimo estabelecido por Sir Henry Hotham. Os marinheiros britânicos estavam alertados para a possibilidade de fuga de Napoleão e foi o capitão Maitland que intuiu que este tentaria Rocheford. Maitland captura o general francês que é levado a bordo do HMS Bellerophon para assinar a sua rendição.

Feito prisioneiro, será transportado até a Grã-Bretanha de onde segue para o exílio na ilha de Santa Helena, uma possessão britânica no Atlântico sul. Acabava assim a história do homem que passou como uma estrela cadente no firmamento político da Europa. Despido do poder e glória, ostracizado numa ilha erma e remota, viria a morrer prematuramente seis anos mais tarde.


"Napoleão a bordo do Bellerophon" por Sir William Quiller Orchardson (c. 1880)

A Convenção de St. Cloud decreta a capitulação de Paris e a rendição dos exércitos napoleónicos. No dia 7 de Julho os dois exércitos da coligação entram triunfalmente em Paris. No dia seguinte Luís XVIII é reconduzido ao trono, restaurando-se o absolutismo num epílogo da Revolução Francesa.

A queda de Napoleão marcou o fim de dois decénios de Guerras Napoleónicas e deu início ao denominado Concerto da Europa, um ambiente político resultante da ordem continental saída do Congresso de Viena, que só será interrompido em 1914 com o eclodir da Primeira Guerra Mundial.



Luís Alves Carpinteiro | Cabo Não 

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