quinta-feira, 15 de março de 2018

ABRILADA DE 1961 - O PRINCÍPIO DO FIM DO ESTADO NOVO?


O ano de 1961 têm vindo a ser considerado pelos historiadores o annus horribilis do regime de Salazar. Se em 1958 o "Terramoto Delgado" abalara as fundações da ditadura, a sequência de eventos ocorridos no ano de 1961 assinalam o início da sua derrocada. 1961 ficará na memória dos portugueses como o ano do assalto ao paquete Santa Maria (Janeiro), dos massacres da UPA no Norte de Angola (Março), da intentona de Botelho Moniz (Abril), do sequestro do avião TAP Casablanca-Lisboa (Novembro), da invasão de Goa pela União Indiana e do assalto ao quartel de Beja (Dezembro). Com estas acções destruiu-se o manto de invulnerabilidade do regime e surgem os primeiros indícios do que está para vir: uma resistência organizada no seio das forças armadas que culminará no 25 de Abril; a primeira machadada na integridade do império com a perda de Goa e as primeiras insurgências na África portuguesa, que culminarão na dissolução de um império colonial multissecular.


Jornal da época dá conta da "Operação Dulcineia" que envolveu o sequestro do paquete Santa Maria.


Oliveira Salazar, um soberanista puro, era instintivamente adverso a qualquer projecto supranacional susceptível de comprometer a sua independência política. A adesão como membro-fundador à NATO, em 1949, ainda trará amargas consequências ao regime mas não da forma que Salazar imagina. Uma geração de militares; entre os quais se incluem Humberto Delgado, Costa Gomes ou Botelho Moniz; será exposta ao pensamento liberal americano durante o trabalho desenvolvido no âmbito da aliança atlântica.

1961 é também o ano da eleição de John F. Kennedy como presidente dos Estados Unidos e marca um endurecimento da posição norte-americana em relação ao colonialismo português. O recrudescer de convulsões sociais em Angola leva o embaixador Charles Burke Elbrick a comunicar no início de Março que os americanos votarão contrariamente aos interesses de Portugal numa proposta no Conselho de Segurança da ONU relativa ao colonialismo. Propõe que o governo português se mostre favorável a uma solução de entendimento; que declarasse às Nações Unidas estar a desenvolver esforços no sentido de conceder uma autonomia progressiva às províncias africanas, para que num prazo realista estas pudessem decidir o seu destino através de um referendo. Esta decisão é comunicada igualmente ao chefe do governo como ao grupo de Botelho Moniz, dando a entender que os Estados Unidos estariam dispostos a apoiar o governo que promovesse as reformas pretendidas, quer este fosse chefiado por Salazar, quer por Botelho Moniz.


Almeida Fernandes (em cima) e Botelho Moniz (em baixo), figuras em destaque na Abrilada de 1961.


A 15 de Março dão-se as chacinas de fazendeiros portugueses e dos seus trabalhadores bailundos no Norte de Angola; a questão assume carácter de urgência. A intransigência de Salazar em alcançar um entendimento leva os militares a procurar outra solução. Os conjurados, cujas figuras de proa são Botelho Moniz (Ministro da Defesa), Almeida Fernandes (Ministro da Guerra) e Costa Gomes (Subsecretário de Estado), pretendem realizar um golpe palaciano que provoque a demissão do presidente do conselho e a inversão da política africana.

Após uma derradeira aproximação a Oliveira Salazar, na qual o tentam sem sucesso sensibilizar para a necessidade de ampla reforma, o grupo recorre ao presidente Américo Thomaz obtendo no entanto resultados idênticos. É neste momento que decidem avançar para um "pronunciamento militar" que conduzisse ao afastamento de ambos os governantes. A chefia do governo seria ocupada provisoriamente por Botelho Moniz e a presidência foi oferecida ao caído em desgraça Craveiro Lopes. Um avião transportaria o presidente do conselho deposto para a Suiça. 

Talvez devido à acção pouco presta e demasiado denunciada, o complot é descoberto por Kaúlza de Arriaga que o denuncia a Américo Thomaz e imediatamente põe em marcha um contra-golpe. Avisado de antemão que a reunião decisiva teria lugar no dia 13 de Abril, serve-se das suas próprias redes clientelares dentro do exército para neutralizar a conspiração. Pelas 15h é emitido na rádio um comunicado que anuncia as demissões dos envolvidos, remetendo a sua reunião à ilegalidade. É nesta fase que surgem as primeiras hesitações e recuos. Encontrando-se a assembleia em sedição está definitivamente afastado um golpe constitucional, restando apenas a opção da tomada do poder pela força. Este não era de todo o objectivo dos militares que de acordo com Albuquerque Freitas pretendiam apenas uma "ameaça fatal" e nunca um "acto de força". Não contando com apoio da totalidade das forças armadas e pesadas as consequências de um potencial choque sangrento com forças fiéis ao regime, a possibilidade da luta armada era posta de parte, para já.

O dia de 13 de Abril de 1961 terminaria com a aparição televisiva de Oliveira Salazar na qual profere a célebre declaração que estabeleceu o mote "andar rapidamente e em força" e assinalou o princípio da Guerra Colonial.





Bibliografia:
LÉONARD, Yves; História do Portugal Contemporâneo: De 1890 aos nossos dias; Objectiva; 2017.
RODRIGUES, Luís Nuno; Marechal Costa Gomes: No centro da tempestade; Esfera dos Livros; 2008.


LAC

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