Aquele que muitos consideram a figura maior da pintura portuguesa do século XX, Amadeo de Souza-Cardoso, viveu a sua breve vida entre Portugal e Paris, onde chega aos 19 anos para continuar os estudos de arquitectura que iniciara em Lisboa. O contacto com o efervescente meio artístico da capital francesa e com um círculo de pintores da vanguarda influenciou radicalmente o seu estilo e em 1907 o seu amigo Manuel Laranjeira já o reconhecia como "um artista no significado absoluto do termo".
![]() |
Retrato Paysagem , 1913 |
No dia 14 de Novembro de 1887, nasce em Manhufe, nos arredores de Amarante, Amadeo Ferreira de Souza-Cardoso, um entre a numerosa prole de José Emygdio de Souza-Cardoso, um abastado proprietário rural, e Emília Cândida Ferreira Cardoso.
Em 1905, aos 17 anos, parte para Lisboa onde cursa Arquitectura na Academia de Belas-Artes sem no entanto levar ao término. Neste período desenvolve a sua faceta de desenhador, sobretudo através da caricatura, incentivado pelo amigo Manuel Laranjeira. No dia em que completa 19 anos parte para Paris, acompanhado de Francisco Smith, estabelecendo-se inicialmente no Boulevard de Montparnasse.
A 6 de Janeiro de 1907 encontra-se plenamente estabelecido em Paris e num jantar no restaurante Daumesmil, no Quartier Latin, ilustra a ementa com a caricatura de todos os comensais, desenho que será publicado no jornal portuense “O Primeiro de Janeiro”. Em Outubro do mesmo ano viaja até à Bretanha com o colega pintor Eduardo Viana.
No ano seguinte, alugará um estúdio na Cité Falguiére onde reúne em ambiente de tertúlia e boémia o grupo dos artistas portugueses: Manuel Bentes, Emmérico Nunes, Eduardo Viana, Domingos Rebelo, Francisco Smith, entre outros. Por volta desta época conhece Lúcia Pecetto, com quem casaria em 1914.
![]() |
"O Triunfo de Baco", encenado por Amadeo, Domingos Rebelo, Emmérico, Bentes e José Pedro Cruz (1906) |
Em 1909 volta a mudar-se, desta vez para a Rue de Fleures, aproximando-se do epicentro da actividade artística internacional, paredes meias com Gertrude Stein. Frequenta a Academia Viti do espanhol Anglada Camarasa e amiga-se com o pintor italiano Amedeo Modigliani. Distancia-se dos artistas portugueses a quem atribui uma “rotina atrasada”, para se aproximar de um círculo internacional de artistas, travando conhecimento Brancusi, Juan Gris, Diego Rivera, Sónia e Roberto Delauney, entre outros.
Em 1911 assenta-se na Rue du Colonel Combes, perto do Quai d’Orsay. Em Outubro desse ano é este espaço que acolhe a sua exposição conjunta com Modigliani. Expõe seis obras no Salon des Indépendants, ao qual voltará em 1912 e novamente em 1914.
![]() |
Amadeo de Souza-Cardoso no seu estúdio (1912) |
Em 1912 publica “XX Dessins”, prefaciado por Jerôme Doucet, que o consolida como prodígio recém-chegado à efervescente cena artística parisiense. O álbum vale-lhe críticas muito favoráveis do prestigiado Louis Vauxcelles, famoso adversário de fauvistas e cubistas, que elogia o volume como "a coisa mais maravilhosa que jamais viram nossos olhos" considerando que o autor "criou um mundo novo. A natureza, seres vivos, animais ou criaturas humanas, flora e fauna, saiu do seu cérebro de lírico alucinado". É também neste período que produz um manuscrito ilustrado da Légende de Saint Julien l’Hospitalier de Gustave Flaubert.
![]() |
"Le Tigre"; XX Dessins (1912) |
Amadeo empenha-se em levar o seu trabalho para outras paragens e em 1913 integra a International Exhibition of Modern Art, também conhecida como Armory Show, no que constituiu a primeira mostra de arte moderna europeia em terras norte-americanas, levando obras de artistas como Braque, Matisse ou Marcel Duchamp a Nova Iorque, Chicago e Boston. A exposição é um sucesso para Amadeo e três das suas obras são adquiridas pelo coleccionador Arthur J. Eddy, actualmente integradas na colecção do Art Institute de Chicago. No ano seguinte, pinturas de Souza-Cardoso estarão patentes na obra “Cubist and Post-Impressionism”, publicada pelo coleccionador, onde exalta o seu "sentimento romântico", o "fascínio da sua cor", o seu sentido "feérico". Em Setembro de 1913, após nova mudança de estúdio, o seu trabalho chegará à Alemanha ao ser exibido no I Herbstsalon de Berlin, que toma lugar na Galeria Der Sturm.
Em Abril de 1914 submete três trabalhos para uma exposição da Royal Academy de Londres, que viria a ser cancelada pelo advento da Primeira Guerra Mundial. No verão de 1914 Amadeo encontra-se em Manhufe, onde passa férias, vindo-se impedido de tornar a Paris pelo deflagrar do conflito.
Em 1915 é visitado na terra natal pelo casal Sónia e Robert Delauney, que se fixariam em Vila do Conde. Recupera a relação com Eduardo Viana e conhece Almada Negreiros. Através de Almada estabelece contacto com os Futuristas lisboetas, reunidos inicialmente em torno da revista Orpheu. O exílio inesperado de Amadeo em Portugal não é um momento de “apatia criativa”, pelo contrário constitui a “plena maturação da sua pintura” (Joana Cunha Leal).
![]() |
Canção Popular - A Russa e o Fígaro (c. 1916) |
Em Dezembro de 1916, exibe a sua obra numa exposição sob o título “Abstraccionismo”, primeiro em Lisboa e depois no Porto. A excepcionalidade de Amadeo na cena artística portuguesa faz com que a mostra seja recebida com aura escândalo, culminando o ultraje público em agressões físicas ao pintor. Caberá a Almada Negreiros e a Fernando Pessoa a sua defesa pública.
A 25 de Outubro de 1917, Amadeo morre bruscamente, vítima da gripe espanhola que assolara a Europa no final da Primeira Guerra Mundial. Tinha apenas 30 anos. A maioria da sua obra será legada à Fundação Calouste Gulbenkian pela sua esposa Lúcia Pecetto.
Na sua obra "A Arte em Portugal no século XX", José-Augusto França, conjectura sobre o que poderia ter sido a carreira futura do jovem pintor, que já tinha viagem marcada de volta para Paris:
"Em Paris, Amadeo prosseguiria uma carreira que, à distância, (...) podemos ser levados a sobrestimar; (...) Ele ficará para sempre como uma esperança - e, para a arte portuguesa, como a «primeira descoberta» no século XX, (...) A sua arte foi, com efeito, uma garantia de modernidade oferecida à pintura portuguesa - a única dada no seu tempo, ao lado daquela que Santa-Rita de certo modo recusou proporcionar."
Luís Alves Carpinteiro | Cabo Não
Sem comentários:
Enviar um comentário