O movimento romântico surge em Portugal num contexto histórico e político particular: o do liberalismo e das oposições entre liberais e absolutistas. Não obstante algumas manifestações protoromânticas estarem já presentes na literatura portuguesa anteriormente, em Portugal o Romantismo como movimento emerge em pleno a partir do segundo quartel do século XIX.
No panorama internacional, aparece intimamente relacionado com a construção de uma Europa de Estados-Nação, assumindo-se como veículo dos sentimentos nacionais e do ideário nacionalista. Não raras vezes, os românticos aparecem associados a eventos históricos centrais na formação das nações europeias, como a Guerra da Independência da Grécia (1821-1829), a Unificação de Itália (1870) ou a Unificação da Alemanha (1871), que ocorrem neste período e em que participam.
O historicismo ou a centralidade da História, que no Romantismo português se materializa sobretudo no revivalismo medieval ou na ressurreição de estilos arquitetónicos como o manuelino, é uma das suas caraterísticas definidoras. Através deste tipo de intervenção os românticos pretendiam evocar um passado glorioso e criar um sentimento nacional, e faziam-no com recurso a momentos-chave da formação das identidades nacionais, no caso português a fundação da nacionalidade na Idade Média e a gesta dos Descobrimentos.
O discurso nacionalista prezava, citando as palavras da investigadora Carla Ribeiro, “a unidade, a originalidade e a diferença”; demonstrava interesse pelas manifestações que suscetíveis de comprovar o génio nacional, investidas de “um carácter único, singular e simultaneamente, comprovando a antiguidade da Nação”. Abraçado também pelos românticos, este desiderato de alcançar uma pureza ancestral encontraria eco nas massas populares e campesinas, dando origem a um culto do demótico, de elogio do povo e das suas coisas.
A visão de "Nação" dos românticos é particular: destacam o Portugal rural como o verdadeiro Portugal. Rejeitam o cosmopolitismo dos grandes centros urbanos, que dizem estar contaminado com o sentimento anglófilo ou francófilo. Para eles as raízes da nacionalidade encontram-se nas gentes campesinas, que viam como um povo eterno e imutável. Reagem a uma crise de identidade nascida de um período de aceleração histórica: apegam-se à simplicidade da vida rural que contrasta com o frenesim urbano, decorrente da industrialização.
No ambiente cultural português, certas figuras tornaram-se indissociáveis do Romantismo e pode-se mesmo dizer que o encarnaram. A este nível é inevitável destacar Almeida Garrett e Alexandre Herculano, intelectuais multifacetados que integraram a denominada primeira geração romântica. A Almeida Garrett é mesmo atribuída a introdução do movimento nos meios literários portugueses, apontando-se para os seus poemas Camões (1825) e Dona Branca (1826) como escritos pioneiros. Ambos desempenham um papel ativo nas Guerras Liberais (1832-1834), estando presentes do lado liberal no Desembarque do Mindelo e no Cerco do Porto, atitude demonstrativa da participação cívica dos românticos.
Terá sido Almeida Garrett o primeiro a fazer um levantamento do património popular português que chega até nós em obras como Romanceiro e Cancioneiro Geral de 1843. Nas palavras do autor era pretendido dar a conhecer a “outra literatura que era a verdadeira nacional, a popular, a vencida, a tiranizada por esses invasores gregos e romanos”. Na introdução ao segundo volume do Romanceiro, Garrett asseverava a necessidade de se “estudar as nossas primitivas fontes poéticas, os romances em verso e as lendas em prosa; as fábulas e crenças velhas, as costumeiras e as superstições antigas; (…) o tom e o espírito verdadeiro português esse é forçoso estudá-lo no grande livro nacional, que é o povo e a suas tradições”.
Em 1851 era a vez de Alexandre Herculano publicar os dois volumes das suas Lendas e Narrativas, uma coletânea de literatura popular na senda das recolhas de folclore dos irmãos Grimm na atual Alemanha ou dos romances de Walter Scott no Reino Unido. No prefácio, Herculano expressava a vontade de “introduzir na literatura nacional um género amplamente cultivado, em todos os países da Europa”, esperando que este seu gesto viesse a constituir “a sementinha donde proveio a floresta”. O levantamento levado a cabo, composto essencialmente por lendas populares e pequenos contos de tradição oral, constituiu um marco assinalável na história literária portuguesa.
Com Garrett e Herculano são consumados os primeiros impulsos de uma prática de recolha da literatura popular e folclore, que sobreviviam apenas através da repetição oral, enfrentando as fragilidades de preservação inerentes a este meio de transmissão. Com maior ou menor intencionalidade, eram criadas as primeiras metodologias de salvaguarda, predecessoras da etnografia, de conversão destas manifestações para um registo escrito com maior capacidade de resistir ao passar do tempo.
Também na música o movimento romântico deixou o seu lastro. Mais associado às óperas de índole nacionalista (com destaque para Verdi na Itália e Wagner na Alemanha), é neste período que se manifesta uma etnomusicologia incipiente, com as primeiras recolhas de música popular. Neste contexto nascerá um fenómeno de intercâmbio entre música erudita e popular. Na esperança de quebrar com as influências estrangeiras predominantes, a música erudita urbana vai colher influências ao cancioneiro rural de raiz tradicional. A partir destas recolhas, compositores eruditos vão levar a cabo uma harmonização da música popular para piano, com vista à criação de uma “composição nacional”. Neste exercício notabilizam-se Alfredo Keil (1850-1907) e Vianna da Motta (1868-1948), entre outros.
“Nenhuma coisa pode ser nacional se não é popular.” Almeida Garrett in Romanceiro e Cancioneiro Geral (1843)
Com esta afirmação, que nos lega na nota introdutória para o seu Romanceiro e Cancioneiro Geral, Almeida Garrett remete-nos para as aceções românticas de “Nação” e de “Povo”. Para os românticos as verdadeiras raízes da nacionalidade seriam encontradas não nas cidades, em acelerada mudança social e tecnológica, mas nos campos, onde vivia o povo que “escudado do progresso e das influências estrangeiras, soube conservar as raízes da Nação, dos valores imemoriais que vivem na tradição, apresentando-os na sua forma mais pura” (RIBEIRO; 2012).
As recolhas de cultura popular levadas a cabo por autores românticos como Garrett e Herculano simbolizam uma demanda pela pureza e pela ancestralidade, com a missão de encontrar a nacionalidade que, a seu ver, seria a “mais verdadeira”. No caso português, a necessidade desta demanda é acentuada por uma conjuntura histórica e política bem localizada: a estruturação de uma sociedade liberal no pós-1820, que exigia, como afirma Augusto Santos Silva “criar uma nova civilização, fazendo vingar novas instâncias e padrões de socialização (…), novos quadros de valores e normas, novas práticas materiais e simbólicas.”
Num contexto ideológico mais amplo, esta valorização do demótico pelos românticos na sua faceta liberal está relacionada com um novo contrato social que seria necessário implementar. Com o fim do absolutismo régio em 1820 a soberania era transferida do direito divino dos monarcas para o povo e os seus representantes. Neste conceito do povo como fonte do poder político estão as raízes das instituições democráticas.
Luís Alves Carpinteiro | Cabo Não
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