domingo, 26 de janeiro de 2020

A HISTÓRIA POR TRÁS DE "THE KING"


Timothée Chalamet como Henrique V, rei de Inglaterra entre 1413 e 1422

No dia 2 de Setembro de 2019 estreou no Festival de Veneza "The King", realizado por David Michôd e distribuído pelo Netflix. No seu elenco figuram Timothée Chalamet, Lily Rose Depp, Robert Pattinson e Joel Edgerton. O filme é baseado nas peças de William Shakespeare Henrique IV e Henrique V, centradas na Guerra dos Cem Anos, uma série de conflitos que opuseram a Inglaterra à França entre 1337 e 1453.

A narrativa culmina na Batalha de Azincourt, que teve lugar no norte de França a 25 de outubro de 1415 e se saldou com a vitória decisiva das hostes inglesas sobre um adversário numericamente superior. Este desenlace afirmaria a primazia britânica na contenda, possibilitando a subsequente conquista da Normandia e o Tratado de Troyes (1420), que nomeava o rei de Inglaterra como sucessor do trono de França.

A Batalha de Azincourt foi imortalizada na obra de Shakespeare e tornou-se uma das batalhas clássicas do fim da Idade Média, estudada por estrategas militares em todo o mundo como um exemplo brilhante de táctica contra um exército em maior número.

A Batalha de Azincourt em iluminura do século XV

O caminho para Azincourt

Em 1337 o rei Eduardo III auto-proclama-se rei de França e invade a Flandres, despoletando a Guerra dos Cem Anos. A disputa pela coroa francesa vai alimentar inúmeras batalhas, cercos e escaramuças entre os dois países ao longo do século XIV.

Quando Henrique V ascende ao trono em 1413 vigoravam as tréguas de 1396, que proporcionaram um hiato nas lutas entre ingleses e franceses. A ambição do jovem rei e a conflitualidade interna do seu próprio país vão impeli-lo a renovar a reivindicação dos seus antecessores.

O reinado do recém-entronizado Henrique vive debaixo da sombra do ilegitimidade: a Casa de Lencastre é vista como usurpadora desde que o seu pai Henrique IV depusera Ricardo II em 1399. O recrudescer da tensão entre facções da nobreza e a família real leva a que várias tentativas sejam feitas contra a vida de Henrique e a que se espalhe a desordem no reino.

Simultaneamente a França enfrenta a sua própria crise. A loucura do rei Carlos VI e a sua debilidade aparente suscitam a cobiça da coroa francesa pelos seus inimigos políticos. Esta conjugação de factores vão converter este no momento ideal para Henrique V pôr em marcha um plano para forçar a sua reivindicação.

Quando as suas exigências territoriais são recusadas, o rei de Inglaterra toma a decisão de invadir França. Atravessa o Canal da Mancha com um contingente de 12 mil homens que imediatamente sitiam a cidade de Harfleur. A frágil trégua entre França e Inglaterra era assim quebrada, dando origem a uma nova fase da Guerra dos Cem Anos.

O cerco de Harfleur prolonga-se por seis semanas até à capitulação do lado francês. Apesar de breve, o assédio taxa pesadamente as forças de Henrique que diminuem vítimas das perdas em combate, da doença e da deserção. No comando de um exército exaurido e flagelado pela disenteria, Henrique ruma ao porto de Calais decidido a retirar para Inglaterra. No entanto o seu plano de fuga é frustrado quando as suas forças são interceptadas pelas do Condestável Carlos de Albret nas imediações da vila de Azincourt.


Batalha no Dia de São Crispim


A Batalha de Azincourt no filme "The King" (2019)


"This day is call'd the feast of Crispian.
He that outlives this day, and comes safe home,
Will stand a tip-toe when this day is nam'd,
And rouse him at the name of Crispian.
He that shall live this day, and see old age,
Will yearly on the vigil feast his neighbours,
And say "To-morrow is Saint Crispian."
Then will he strip his sleeve and show his scars,
And say "These wounds I had on Crispin's day."
(William Shakespeare, Henry V, Act IV, scene 3)


Com o exército invasor debilitado e severamente reduzido antevê-se uma vitória fácil para os franceses. O exército do Condestável francês excedia o de Henrique V, segundo algumas estimativas, numa proporção de 5 homens para 1 (6.000 ingleses vs. 20.000-30.000 franceses). O jovem rei vai saber porém usar habilmente táctica, terreno, clima e superioridade tecnológica em sua vantagem.

A vitória inglesa começa na escolha e preparação do terreno. Henrique posiciona as suas tropas num terreno arado limitado por bosques com um estreitamento na frente, anulando parcialmente a vantagem numérica francesa. Mas o verdadeiro trunfo inglês são os longbowmen, mortíferos arqueiros com um alcance superior a 250 metros.

O que seguiu foi o confronto de duas formas de fazer a guerra: o combate tradicional da Idade Média, baseado em cavaleiros de choque com pesadas armaduras e uma nova forma que caracterizará os séculos seguintes, o combate à distância através de artilharia.

Por voltas das 11 horas da manhã de 25 de Outubro de 1415 (Dia de São Crispim), inicia-se a investida francesa. Durante as duas semanas que precedem a batalha chove intensamente transformando o terreno num lamaçal escorregadio. A combinação deste factor com o peso das armaduras dos cavaleiros retarda a marcha do exército francês que exposto ao impressionante poder de fogo dos arqueiros ingleses sofre pesadas baixas.

Quando a vanguarda francesa alcança finalmente a posição inimiga depara-se com uma armadilha de estacas aguçadas. A confusão instala-se com o avançar de uma segunda linha que deixa os franceses praticamente costas com costas, impossibilitados de fazer uso das suas armas à medida que os ingleses apertavam o cerco.

Os relatos quanto à duração da batalha divergem entre a meia hora e as três horas. Estima-se que neste curto espaço de tempo 6 mil franceses (muitos deles destacados nobres, incluindo o Condestável) tenham perdido a vida, com o custo de apenas 400 homens para os ingleses. Na sequência da batalha Henrique V volta a Inglaterra onde a 23 de Novembro é recebido em apoteose na Catedral de São Paulo, em Londres. 

A derrota foi um duro golpe para as aspirações francesas que com uma nobreza dividida e enfraquecida não vai ter capacidade para resistir aos ataques ingleses. Em 1419 Henrique V conquistaria a Normandia. Seguiu-se Tratado de Troyes em 1420, que consagrava a união do rei inglês com a filha de Carlos VI, Catarina de Valois, convertendo-o no herdeiro presuntivo do trono de França.



LAC

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