quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

LUDISMO, NEO-LUDISMO E O UNABOMBER


Neste artigo abordamos as revoltas luditas do primeiro quartel do século XIX, ocorridas em solo britânico. Numa segunda fase discutiremos a sua influência no terrorista anarco-primitivista Ted Kaczynski (n. 1942), mais conhecido pelo acrónimo Unabomber.


Conceitos a explorar:


Neo-ludismo – Conjunto de organizações não-afiliadas que se assumem como herdeiras do Ludismo inglês do século XIX e questionam a sociedade industrial e os seus efeitos no ser humano.

Anarco-primitivismo – Filosofia que critica o processo civilizacional como raiz dos males da humanidade e advoga o retorno a um estado selvagem pré-industrial.

Eco-terrorismo – Ato de violência ou destruição dirigida a pessoas ou propriedade motivado por reivindicações de teor ecológico ou ambientalista.

Green Anarchism – Vertente do anarquismo com particular ênfase nas questões ambientais e na preservação da natureza.


O obscuro personagem Ned Ludd, que empresta o nome ao movimento







































Ludismo Inglês (1811-1816)



As origens:


As origens do Ludismo remetem ao áspero clima económico das Guerras Napoleónicas. Os confrontos entre ingleses e franceses geraram uma subida de preços que atingiu violentamente as classes mais vulneráveis que se viram a mãos com situações de escassez e pobreza endémica. Ao contrário do que vulgarmente se pensa, o que levou os Luditas a sublevarem-se contra os seus patrões não foi a aversão às máquinas ou o medo do progresso tecnológico, mas o declínio progressivo das suas condições laborais. Numa conjuntura económica difícil, a introdução de maquinaria no meio fabril significou o despedimento em massa de trabalhadores especializados e a sua substituição por homólogos menos qualificados que auferiam salários mais baixos. Na ausência de organizações sindicais, os Luditas recorreram a acções como a destruição de máquinas para pressionar o patronato e reivindicar melhores condições de trabalho.

O movimento Ludita, desde a sua emergência, deixou em estado de alerta o Governo Britânico que já se encontrava envolvido numa guerra contra Napoleão e agora acrescentava-lhe a agitação social em solo nacional. A solução inicial encontrada pelo Governo Britânico foi a mobilização de um exército para fazer face aos desordeiros e pôr fim à destruição das máquinas industriais, fundamentais para múltiplos sectores industriais dos quais dependia fortemente a economia britânica. A problemática Ludita tornou-se tão complexa e difícil de erradicar que o contingente de soldados colocados em solo britânico superaram mesmo os que os que combatiam a Guerra Peninsular contra Napoleão. A utilização do exército como instrumento para erradicar o movimento revelou-se de pouca eficácia, visto que os Luditas podiam eventualmente reorganizar-se e voltar a atacar fábricas e os seus respectivos donos, o que forçou o governo a adoptar uma participação mais activa na questão.


A resposta legislativa e o fim do movimento:


O Governo Britânico, deparando-se com uma situação insustentável em pleno solo inglês e constatando a ineficácia das acções militares, decide recorrer ao meio legislativo para desmantelar o movimento. A solução será alcançada através do Parlamento: o governo redige e promulga o “Frame Breaking Act”, passando a destruição de máquinas a ser punida com pena de morte. Eventualmente, saturado da situação, o Governo Britânico organizou um julgamento de grande escala para suprimir a insurreição, que se realizou em York no dia 16 de Janeiro de 1813. O governo acusou um total de sessenta homens. Embora parte dos acusados possuíssem de facto ligações com o movimento, estas nunca foram devidamente esclarecidas, procedendo-se a um julgamento sumário em que muitos foram condenados com poucas ou nenhumas provas.

O julgamento de York precipitou o fim do movimento, levando os restantes membros a reintegrarem-se novamente na sociedade britânica e a cessarem os seus actos com medo de sofrerem o mesmo destino dos seus companheiros capturados.


O Unabomber



Theodore Kaczynski nasce em 1942 no seio de uma família de emigrantes polacos de classe média em Chicago, Illinois. Cedo demonstra ser uma criança prodígio, especialmente dotada para as matemáticas. Perplexos com o desenvolvimento precoce de Kaczynski os professores decidem submetê-lo a um teste de QI que revela um impressionante resultado de 167. É enquadrado numa turma mais avançada com estudantes mais velhos, o que lhe vai permitir concluir o ensino secundário com apenas 15 anos de idade e ingressar na Universidade de Harvard no ano seguinte.

Enquanto estudante de Harvard de 17 anos é submetido a uma “experiência propositadamente psicologicamente brutalizante” conduzida pelo psicólogo Henry Murray, que muitos sugerem estar envolvido no programa de controlo de mente MKUltra. O filósofo Jonathan D. Moreno relaciona este evento traumático com uma distorção na personalidade de Ted que agiu como um rastilho na sua posterior radicalização.

Em 1962, abandona Harvard com o seu bacharelato em matemática para prosseguir uma carreira académica na Universidade do Michigan. Em 1967 defende a sua tese de doutoramento “Boundary Functions” que lhe vale o prémio Sumner B. Myers para melhor tese matemática do Michigan. Com somente 25 anos, torna-se o mais jovem professor assistente da história da Universidade de Berkeley, onde ensinará geometria e cálculo.

Em 1969, de forma “inesperada” e “súbita” demite-se do seu cargo de professor. Regressa a casa dos pais onde durante dois anos concebe e prepara a sua aventura.

Cabana habitada por Kaczynski entre 1971 e 1996; Pistola e bomba artesanal 

Em 1971, parte para as densas florestas do Montana onde viverá como um ermita numa cabana sem acesso a saneamento nem corrente eléctrica. Aprende técnicas que lhe permitem sobreviver, como identificação de rastos de animais e de plantas comestíveis ou técnicas primitivas de agricultura.

Testemunhar a destruição do meio natural que habita em prol de empreendimentos imobiliários e industriais, suscita em Ted um sentimento de raiva que o leva a conduzir pequenos actos de sabotagem. Estuda sociologia e filosofia política: lê entusiasticamente a obra do anarquista francês Jacques Ellul e assimila o seu pensamento.

Cartaz oferece recompensa; Capa da Revista Time após captura

Ao longo das duas décadas que se seguiram Ted aterrorizou os Estados Unidos, com o envio de bombas artesanais de progressiva complexidade. Um total de dezasseis ataques à bomba são-lhe atribuídos entre 1978 e 1995, deixando um rasto de destruição que causou a morte a três pessoas e feriu dezenas de outras. Os seus alvos foram cientistas, académicos, industriais e outros que considerava responsáveis por um progresso tecnológico nefasto para o futuro da humanidade e do planeta. Daqui em diante será referido pela polícia e depois pela imprensa pelo infame acrónimo Unabomber (University and Airline Bomber).

Em 1995 o Unabomber surpreendeu tudo e todos ao enviar o seu manifesto de 35 mil palavras aos principais periódicos americanos, prometendo que caso este fosse integralmente publicado desistiria do terrorismo. Esta oportunidade foi vista como uma brecha pelos investigadores que confrontados com um vácuo de pistas esperavam que a publicação pudesse levar à identificação do criminoso.

No dia 19 de Setembro de 1995 o seu ensaio é publicado pelo Washington Post e pelo New York Times possibilitando o reconhecimento do estilo de escrita pelo próprio irmão do bombista, David Kaczynski. A 3 de abril de 1996 o Unabomber é capturado na sua cabana de onde são retiradas 40 mil páginas de diários relatando os crimes e ainda um dispositivo explosivo pronto para envio. Quase vinte anos sobre o primeiro atentado era concluída desta forma a caça ao homem que permanece até hoje como a mais duradoura e dispendiosa da história do FBI.



LAC


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