sexta-feira, 29 de junho de 2018

DOM JOÃO II, O PRÍNCIPE PERFEITO






Os seguidores do Cabo Não elegeram Dom João II, O Príncipe Perfeito, como o monarca mais determinante para o sucesso do movimento dos Descobrimentos.


Iluminura contida no Livro dos Copos (Álvaro Dias de Frielas, 1490-1498).

Dom João II foi Rei de Portugal e dos Algarves em dois períodos diferentes: primeiro durante os quatro dias de renúncia de Afonso V em Novembro de 1477 e depois a partir de 1481 até à sua morte em 1495. Logo aos 16 anos acompanha o seu pai na expedição ao Norte de África que resultaria na tomada de Arzila e Tânger (1471), tendo sido investido cavaleiro no chão de Arzila. No rescaldo da campanha assumirá o governo dos assuntos de África e a partir de 1474 dirige a política atlântica. A crónica de Damião de Góis atesta a bravura e vontade de se afirmar do jovem príncipe:


"ou de desprazer hei-de cair em alguma grave doença ou depois de Sua Alteza ter partido o hei-de seguir e se não for como príncipe será como um aventureiro soldado." 

Dom Afonso V envolve-se na disputa dinástica da Coroa de Castela para defender os direitos de sua sobrinha Joana de Trastâmara, com quem se une em casamento assumindo-se como pretendente ao trono. Esta guerra de sucessão opôs Afonso V aos Reis Católicos, Isabel de Castela e Fernando de Aragão. Estes lançavam a dúvida sobre a legitimidade da única filha do perecido Henrique IV que cognominavam de "Beltraneja", por suspeições de que não seria filha do monarca castelhano mas sim do seu valido Beltrán de La Cueva.

As duas facções pretendentes enfrentam-se no dia 1 de Março de 1476 em Toro, com o exército português subdividido em duas alas: uma comandada pelo rei, outra pelo príncipe. Enquanto a ala de Dom João repele os isabelinos, as forças liderada por Afonso V são destroçadas, terminando a batalha num impasse. A propaganda isabelina soube no entanto tomar partido do resultado inconclusivo da batalha reclamando-a como vitória. O rei busca então recolher apoios para lá dos Pirenéus e é com esse intuito que se dirige com um séquito à corte de Luís XI de França, que mantinha uma rivalidade com os Reis Católicos devido a disputas territoriais em Navarra e na península itálica. O elo de ligação entre os dois monarcas era Carlos, o Temerário, primo de Afonso V. A morte deste em batalha vai gorar as expectativas do rei português que abdica das suas pretensões sobre Castela e cai num desânimo profundo.       

Afonso V suportou as suas ambições políticas através da proliferação dos títulos de nobreza e de uma consistente alienação dos bens da coroa, pelo que ao assumir o trono D. João II jocosamente constatava "o meu pai deixou-me as estradas do Reino para governar". No plano interno o seu reinado caracterizou-se por uma feroz domesticação da nobreza e centralização política, ficando célebres os episódios da execução do Duque de Bragança em Évora e o apunhalamento do Duque de Viseu pelas mãos do próprio monarca.


"Há tempos de usar de coruja e tempos de voar como o falcão."

Foi o grande impulsionador da doutrina de exploração atlântica iniciada pelo seu tio-avô infante Dom Henrique. Entre os inúmeros feitos de navegação do seu reinado contam-se a exploração da foz do rio Congo por Diogo Cão (1484), a dobra do Cabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias (1488) e a colonização das ilhas de São Tomé e Príncipe por Álvaro de Caminha (1493). É igualmente de sua iniciativa a expedição de Pêro da Covilhã para buscar o mítico rei cristão Preste João e explorar as rotas comerciais da Índia por terra. Entre inúmeras peripécias o aventureiro torna-se o primeiro português a pisar solo indiano e estabelece relações com o Reino da Abissínia. 

Em 1494 Dom João alcançou a proeza de participar na primeira divisão bipolar do mundo entre duas potências, assinando-se o Tratado de Tordesilhas no qual as Coroas Ibéricas repartiam entre si o mundo por descobrir. Numa jogada exímia o Príncipe Perfeito metia um pé no continente americano, obtendo direitos sobre o inexplorado Brasil, e assegurava o monopólio da rota para a Índia para a navegação portuguesa. O tratado impunha ainda a doutrina do Mare Clausum às outras nações, segundo a qual as nações ibéricas obtinham exclusividade sobre os mares descobertos.



"D. JOÃO II EXAMINA A CONSTRUÇÃO DAS CARAVELAS" (Roque Gameiro, 1917).

Acontecimentos deste período permanecem envoltos em mistério e foram sujeitos a especulação ao longo dos tempos. A verdadeira extensão das descobertas durante o seu reinado é difícil de determinar: Dom João era apreciador da discrição e cultivava uma política de sigilo de forma a manter no escuro os adversários mais curiosos. A sua relação com Cristóvão Colombo é igualmente nebulosa. Sabemos que recebeu o jovem almirante quando este buscava financiamento para o seu plano para alcançar a Índia por Ocidente, inspirado pelos mapas de Paolo Toscanelli e pelas viagens de Marco Polo. Terá inclusivamente sido apresentado à "junta matemática", composta por eminentes astrónomos e cartógrafos como o judeu José Vizinho, discípulo de Abraão Zacuto, ou Martinho da Boémia. Se nos fiarmos pela crónica de João de Barros, Colombo foi tido como um exagerado, cujas ideias tinham pouca substância; o retorno de Bartolomeu Dias quando Colombo se encontrava em Lisboa viabiliza a Rota do Cabo e afasta definitivamente o aventureiro da mente de Dom João.


"El-rei, porque via ser este Cristóvão Colombo homem falador e glorioso em mostrar suas habilidades e mais fantástico e de imaginações com sua ilha Cipango (Japão), que certo no que dizia - dava-lhe pouco crédito." 

A sucessão do Príncipe Perfeito revelar-se-ia um assunto espinhoso. Dom João e Dona Leonor tiveram um único filho, Dom Afonso, que casara muito jovem com a filha dos Reis Católicos. Este casamento colocou o infante na linha de sucessão da Coroa de Castela e Aragão que herdaria em conjunto com o Reino de Portugal. A união das coroas ibéricas nunca se viria a efectivar pois Dom Afonso fenece na sequência de uma queda a cavalo, cujas circunstâncias específicas permanecem por esclarecer.  

Dom João II passou os últimos anos da sua vida no Alvor, para onde se retirou amargurado com as intrigas da corte e com a trágica morte do seu primogénito. Lutou pela legitimação do seu filho bastardo Jorge, Duque de Coimbra, sem sucesso. Morre sem herdeiros legítimos a 25 de Outubro de 1495 e é sucedido pelo seu primo-direito e cunhado, Dom Manuel, que prosseguirá a aventura dos Descobrimentos, concretizando-se o Caminho Marítimo para a Índia em 1498 e a Descoberta do Brasil em 1500.

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