quarta-feira, 25 de abril de 2018

PIDE-DGS NO FESTIVAL VILAR DE MOUROS


Em Agosto de 2010 a revista Sábado publicou um relatório elaborado por um agente da PIDE-DGS enviado no Festival de Vilar de Mouros.

No finais da década de 60 tomam lugar nos Estados Unidos da América os primeiros festivais de música Rock para a juventude. O "Summer of Love" da geração hippie americana ficou imortalizado na memória popular daqueles anos de contestação e de reforma dos costumes, atingindo o seu expoente máximo nos festivais de Monterey e Woodstock.

Jimi Hendrix e Brian Jones (Rolling Stones) no Festival Pop de Monterey (1967)

No início de 1970 surgem as primeiras iniciativas de implementar este formato em Portugal. A primeira tentativa ocorre na mata da Escola Salesiana do Estoril quando polícia de choque reprime violentamente as centenas de estudantes que ali se haviam concentrado para ouvir bandas como os Quarteto 1111, Psico, Objectivo e Chinchilas, entre outros.

No ano seguinte, verificam-se novos incidentes no primeiro Cascais Jazz quando polícia de choque volta a carregar sobre a multidão e detém o contrabaixista da banda de Ornette Coleman, Charlie Haden, alegadamente por ter dedicado uma música à libertação das colónias.

Mas em Portugal esta época ficaria incontornavelmente marcada pela primeira edição do festival Vilar de Mouros, decorrida nos dias 7 e 8 de Agosto de 1971. Embora entre 65 e 68 se tenham realizado quatro edições anteriores, dedicadas exclusivamente à música folclórica portuguesa, este momento marcante da vida cultural portuguesa é assumido pelo festival como o da sua fundação.

O festival Vilar de Mouros foi a formulação de um sonho alimentado pelo Dr. António Barge de criar um grande evento musical ao ar livre para a juventude portuguesa. O festival encontrava-se sobre o escrutínio da polícia política do regime desde a edição de 1968, quando o público entoara em uníssono com Zeca Afonso várias canções proibidas pela censura. Em 1971 seria a vez de fazer um "Woodstock português", trazendo grandes nomes da cena Rock internacional às margens do rio Coura, como Elton John e Manfred Mann.

Flyer publicitário da primeira edição do Festival Vilar de Mouros

Fotografia restaurada do Vilar de Mouros '71 (VISÃO / GLOBAL IMAGES)

Alarmados pelo perigo que estes festivais representavam para os "bons costumes" e porque eram campo fértil para ideias políticas consideradas subversivas, a recentemente rebaptizada DGS prontamente expediu um dos seus agentes para espiar o festival. É o relatório deste agente que vos deixo, que corre o risco de soar caricato na actualidade mas demonstra a mentalidade da época:

“Dias antes do festival, foram distribuídos, nas estradas do País e nas estradas espanholas de passagem de França para Portugal, panfletos pedindo aos automobilistas que dessem boleias aos indivíduos que iam ver o festival.
No 1º dia, o espectáculo começou às 18h00 e prolongou-se até às 4 da manhã.
Ao anoitecer, o organizador, um tal Barge, anunciou que tinham sido vendidos 20 mil bilhetes (a 50$00 cada).

Esperavam vender 50 mil bilhetes para cobrir as despesas, que seriam aproximadamente a 2.500 contos.

Diziam que tiveram de mandar vir o conjunto Manfred Mann de Inglaterra, mas parece que estava no Algarve, e por isso, a despesa com eles não foi tão grande como parecia.

Um dos cantores, Elton John, causou desde o começo má impressão, com os seus modos soberbos e as suas exigências: carro de luxo para as deslocações, quartos de luxo para os acompanhantes e guarda-costas, etc.
O recinto do festival era uma clareira cercada de eucaliptos, com um taipal à volta e uma grade de arame do lado do ribeiro.

Na noite de 7 estavam muitos milhares de pessoas e muita gente dormiu ali mesmo, embrulhada em cobertores e na maior promiscuidade.
Entre outros havia:

crianças de olhar parado indiferentes a tudo.

grupos de homens, de mão na mão, a dançar de roda.

um rapaz deitado, com as calças abaixadas no traseiro.

um sujeito tão drogado que teve de ser levado em braços, com rigidez nos músculos.

relações sexuais entre 2 pares, todos debaixo do mesmo cobertor na zona mais iluminada

sujeitos que corriam aos gritos para todos os lados.

bichas enormes a comprar laranjadas e esperando a vez nas retretes (havia 7 ou 8 provisórias) mas apesar disso, houve quem se aliviasse no recinto do espectáculo.
porcaria de todo o género no chão (restos de comida, lama, urina) e pessoas deitadas nas proximidades.

Viam-se algumas bandeiras. Uma vermelha com uma mão amarela aberta no meio (um dos símbolos usados na América pelos anarquistas); outra branca, com a inscrição “somos do Porto” com raios a vermelho e uma estrela preta.
A população da aldeia, e de toda a região, até Viana do Castelo, a uns 30 km de distância, estava revoltada contra os “cabeludos” e alguns até gritavam de longe ao passar “vai trabalhar”. Foram vistos alguns a comer com as mãos e a limparem os dedos à cabeleira.
Viam-se cenas indecentes na via pública, atrás dos arbustos e à beira da estrada.

Em Viana do Castelo dizia-se que os “hippies” tinham comprado agulhas e seringas nas farmácias da cidade.
Havia muitos estudantes de Coimbra, e outros que talvez fossem de Lisboa ou do Porto. Alguns passaram a noite em Viana do Castelo em pensões, e viam-se alguns de muito mau aspecto, parece que vindos de Lisboa, que ficaram numa pensão.

Houve gritos de Angola é… (qualquer coisa) durante a actuação do conjunto Manfred Mann (de que faz parte um comunista declarado, crê-se que chamado Hugg).
Fora do recinto, junto do rio e de uma capela, havia muitas tendas montadas e gente a dormir encostada a árvores ou muros e embrulhada em cobertores.

Houve grande confusão junto às portas de entrada.

Havia quatro bilheteiras em funcionamento permanente e muito trânsito.

Toda aquela multidão de famintos, sem recursos para adquirir géneros alimentícios indispensáveis, como se de uma praga de gafanhotos se tratasse, se lançou sobre as hortas próximas colhendo batatas e outros produtos hortícolas, causando assim, grandes contrariedades aos seus proprietários, muitos deles de débeis recursos económicos.

26-8-71››


Fontes:

Revista Sábado (Agosto de 2010)
http://visao.sapo.pt/actualidade/cultura/2016-08-25-Festival-Vilar-de-Mouros-seis-curiosidades
http://blitz.sapo.pt/principal/update/2017-04-09-Como-a-policia-politica-controlava-os-festivais-antes-do-25-de-Abril


LAC

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