Perante as recentes declarações do deputado do PS Ascenso Simões, em que propunha a destruição do Padrão dos Descobrimentos, o Cabo Não presta a sua homenagem ao autor do conjunto escultórico do monumento de Belém, Leopoldo de Almeida. Com esta homenagem, convidamos os leitores à reflexão sobre o discurso político acerca de História e Património, e como apesar de cada período escolher os seus vilões e os heróis entre as figuras do passado, é um dever do Estado e das populações a conservação do Património Cultural, como forma de preservar a memória colectiva e de ser fonte de reflexão para as gerações vindouras. Recorrendo ao aforismo do setecentista Edmund Burke: "Aqueles que não conhecem a História, estão condenados a repeti-la".
O Mestre Leopoldo de Almeida (de bata branca), junto da sua estátua equestre de D. João I |
Leopoldo Neves de Almeida (1898-1975) foi um escultor e professor português, pertencente à segunda geração modernista. Revelou desde cedo talento para o desenho e para a modelação, tendo ingressado aos 15 anos na Escola de Belas-Artes de Lisboa, onde aprende com grandes mestres como Simões de Almeida (sobrinho), Luciano Freire e Columbano Bordalo Pinheiro.
No dealbar da década de 1930, com a colaboração na construção do Monumento ao Marquês de Pombal, inicia aquela que será uma longa carreira ao serviço da arte pública. Em 1934 realiza baixos-relevos para a fachada do Cineteatro Éden e em 1937 o Monumento a António José de Almeida, em associação com Pardal Monteiro.
Um dos baixos-relevos concebidos por Leopoldo de Almeida para o Cineteatro Éden, Lisboa |
Paralelamente à fervorosa actividade criativa, Leopoldo de Almeida desenvolve uma carreira docente, que se inicia em 1934 com o seu retorno à Escola Superior das Belas-Artes de Lisboa, desta vez como professor. A sua relação com esta instituição vai estender-se por mais três décadas, até à sua aposentação em 1965.
Na década de 1940 vai alcançar o pico da carreira artística, com a intervenção na Exposição do Mundo Português. No conjunto escultórico por si produzido, estarão incluídas duas das mais emblemáticas obras da estatuária pública comemorativa daquele período: uma colossal representação feminina da Soberania e o Padrão dos Descobrimentos, feito em parceria com o arquitecto Cottinelli Telmo, um monumento em homenagem às principais figuras do mais insigne período da História de Portugal.
Para a concepção das esculturas do Padrão dos Descobrimentos, Leopoldo de Almeida foi colher inspiração às personagens representadas nos Painéis de São Vicente de Fora, atribuídos ao pintor de corte de Afonso V Nuno Gonçalves, uma janela para os vestuários e moda da época.
A arquitectura ficou a cargo de Cottinelli Telmo, assumindo-se o monumento como uma versão estilizada de uma caravela, com a estatuária colocada em duas rampas que convergem para a "proa". A posição cimeira é ocupada pelo Infante D. Henrique, com uma caravela na mão direita e um mapa na esquerda, figura central e primeiro impulsionador da expansão marítima portuguesa.
Ao mesmo tempo a sua geometria remete-nos para os antigos padrões portugueses, marcos de pedra instalados pelos marinheiros portugueses nas terras recém-descobertas. Quando visto a partir do Mosteiro dos Jerónimos, o monumento assume a forma de uma cruz latina. Numa observação mais atenta é revelada no seu interior uma espada que aponta para o chão: este simbolismo pretende representar a relação próxima entre a cruz e a espada, no muitas vezes violento processo de colonização e expansão do cristianismo.
Para além dos mais ilustres exploradores, navegadores e aventureiros associados a este período da História de Portugal, como Vasco da Gama, Bartolomeu Dias, Fernão de Magalhães ou Fernão Mendes Pinto, figuram também no Padrão personalidades eminentes da alta cultura e da ciência da época, como Luís de Camões, Nuno Gonçalves e Pedro Nunes.
A primeira versão em materiais perecíveis, construída em gesso e suportada por uma estrutura metálica, seria removida em 1943. Apenas em 1960, por ocasião dos 500 anos da morte do Infante D. Henrique, seria reconstruído na sua versão definitiva de betão e pedra de lioz.
A área envolvente seria dotada de uma rosa-dos-ventos com 50 metros de diâmetro, oferecida a Portugal pela República da África do Sul. Já em contexto democrático, o interior do monumento seria intervencionado para potenciar a sua fruição turística, com a inauguração dos espaços do miradouro, do auditório e das salas de exposições, abrindo uma nova fase na vida do monumento - o Centro Cultural das Descobertas. O Padrão dos Descobrimentos é actualmente um dos monumentos mais visitados em Lisboa, tendo recebido só em 2019 mais de 300 mil visitantes.
Luís Alves Carpinteiro | Cabo Não
Para ver se se termina de vez com a errónea representação do Infante D. Henrique: http://paineis.org/A01.htm
ResponderEliminar