No mundo medieval um camponês
podia esperar uma “vida pobre, sórdida, brutal e curta”. A escassez material, a doença e a pestilência assim como o clima de insegurança e guerra, fazia com que as
comunidades se fechassem sobre si mesmas e receassem de elementos exteriores.
Uma grande ortodoxia religiosa conferia uma visão maniqueísta à sociedade
medieval, em que todos eram santos ou pecadores. Do mesmo modo, o corpo era
visto como um indicador moral de pureza, pelo que a doença, não raras vezes
pintada com laivos sobrenaturais e de superstição, era temida e repelida. Podemos concordar com
Jacques Le Goff quando este diz que o medo, era o principal factor de exclusão
social das sociedades medievais. O terror instintivo e animal daquilo que não
temos ferramentas para compreender.
Ao invés de, à imagem de Le Goff
ou Geremek, tentar tipificar as várias marginalidades desta época e suas
características, parece-me mais esclarecedor abordar as dinâmicas de exclusão
no seio destas sociedades, ou seja, quais as razões que levavam um individuo até
às margens ou a ser empurrado para estas. Neste âmbito recorri a um estudo
realizado pelo Professor Luís Miguel Duarte incluído na Revista de Ciências
Históricas da Universidade Portucalense.
Iremos portanto debruçar-nos
sobre os medos, se quiserem as obsessões, que levavam as sociedades medievais a ser
tão implacáveis para com os seus párias:
·
Obsessão pela ortodoxia religiosa: ideia de um
único caminho para atingir a graça divina; Professar outras confissões, exercer
mesteres tidos como imorais ou de um modo geral ter comportamentos obscuros podia levar à marginalização por parte da comunidade.
·
Obsessão pela doença: a ideia da
indissociabilidade do corpo e do espírito; Era comum a percepção da doença como
o espelho de uma alma pecaminosa ou os doentes como atingidos por maldição
divina, de modo a que, por perigo real ou imaginário, os doentes eram muitas
vezes remetidos às margens e ao ostracismo. O exemplo mais extremo é a segregação dos leprosos em gafarias e a obrigação destes de
circularem com sinos para anunciar à comunidade a sua passagem.
·
Obsessão pela identidade: o desprestígio social
do qual muitas vezes eram alvo as comunidades estrangeiras, em casos extremos
alvos de perseguição e segregação, dos quais neste período se destaca as perseguições movidas
às comunidades judaicas.
·
Repugnância pelo “contranatura”: Comportamentos
encarados como “monstruosos”, como a bestialidade ou a sodomia.
·
Obsessão pela estabilidade: Desconfiança
daqueles que levam um modo de vida errante, “os que não têm poiso certo”, como
os monges sarabaítas, assim como os "arrivistas" que se servem de um estatuto que
não é seu para obter vantagens, ou aqueles que foram alvo de despromoção social, que como Pêro Cem,
“tudo teve e nada tem”.
·
Obsessão pelo trabalho: Desprezo pelos denominados “pobres falsos”; aqueles que embora fisicamente aptos para o trabalho não o
fazem por opção, vistos como ociosos e personalizados na figura do vadio.
Bibliografia:
DUARTE, Luís Miguel; De que falamos nós quando falamos de marginais? Portugal na Baixa Idade Média in Revista de Ciências Históricas; Universidade Portucalense; 1996.
LE GOFF, Jacques; La civilisation de l'Occident médiéval; Arthaud; 1964.
LAC
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