domingo, 10 de dezembro de 2017

MARGINALIDADE NA IDADE MÉDIA


Pormenor de "As Tentações de Santo Antão" de Hieronymus Bosch (Museu Nacional de Arte Antiga).

No mundo medieval um camponês podia esperar uma “vida pobre, sórdida, brutal e curta”. A escassez material, a doença e a pestilência assim como o clima de insegurança e guerra, fazia com que as comunidades se fechassem sobre si mesmas e receassem de elementos exteriores. Uma grande ortodoxia religiosa conferia uma visão maniqueísta à sociedade medieval, em que todos eram santos ou pecadores. Do mesmo modo, o corpo era visto como um indicador moral de pureza, pelo que a doença, não raras vezes pintada com laivos sobrenaturais e de superstição, era temida e repelida. Podemos concordar com Jacques Le Goff quando este diz que o medo, era o principal factor de exclusão social das sociedades medievais. O terror instintivo e animal daquilo que não temos ferramentas para compreender.

Ao invés de, à imagem de Le Goff ou Geremek, tentar tipificar as várias marginalidades desta época e suas características, parece-me mais esclarecedor abordar as dinâmicas de exclusão no seio destas sociedades, ou seja, quais as razões que levavam um individuo até às margens ou a ser empurrado para estas. Neste âmbito recorri a um estudo realizado pelo Professor Luís Miguel Duarte incluído na Revista de Ciências Históricas da Universidade Portucalense.

Iremos portanto debruçar-nos sobre os medos, se quiserem as obsessões, que levavam as sociedades medievais a ser tão implacáveis para com os seus párias:

·        Obsessão pela ortodoxia religiosa: ideia de um único caminho para atingir a graça divina; Professar outras confissões, exercer mesteres tidos como imorais ou de um modo geral ter comportamentos obscuros podia levar à marginalização por parte da comunidade.
 
·        Obsessão pela doença: a ideia da indissociabilidade do corpo e do espírito; Era comum a percepção da doença como o espelho de uma alma pecaminosa ou os doentes como atingidos por maldição divina, de modo a que, por perigo real ou imaginário, os doentes eram muitas vezes remetidos às margens e ao ostracismo. O exemplo mais extremo é a segregação dos leprosos em gafarias e a obrigação destes de circularem com sinos para anunciar à comunidade a sua passagem.

·        Obsessão pela identidade: o desprestígio social do qual muitas vezes eram alvo as comunidades estrangeiras, em casos extremos alvos de perseguição e segregação, dos quais neste período se destaca as perseguições movidas às comunidades judaicas.

·        Repugnância pelo “contranatura”: Comportamentos encarados como “monstruosos”, como a bestialidade ou a sodomia.

·        Obsessão pela estabilidade: Desconfiança daqueles que levam um modo de vida errante, “os que não têm poiso certo”, como os monges sarabaítas, assim como os "arrivistas" que se servem de um estatuto que não é seu para obter vantagens, ou aqueles que foram alvo de despromoção social, que como Pêro Cem, “tudo teve e nada tem”.

·        Obsessão pelo trabalho: Desprezo pelos denominados “pobres falsos”; aqueles que embora fisicamente aptos para o trabalho não o fazem por opção, vistos como ociosos e personalizados na figura do vadio.


Bibliografia:
DUARTE, Luís Miguel; De que falamos nós quando falamos de marginais? Portugal na Baixa Idade Média in Revista de Ciências Históricas; Universidade Portucalense; 1996.
LE GOFF, Jacques; La civilisation de l'Occident médiéval; Arthaud; 1964.


LAC

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