O Japão do
período Edo possuía zonas delimitadas nas quais a prostituição era permitida.
No entanto, estas áreas marginais não se limitavam a estas práticas; era também
centros de intenso intercâmbio cultural e foram o berço de alguns dos mais
modernos movimentos artísticos do Japão. Ficariam conhecidos para a posteridade
como os yukaku, entre os quais
Yoshiwara em Edo, Shimabara em Quioto e Shinmachi em Osaka, serão talvez os
exemplos mais paradigmáticos. Foram verdadeiramente os palcos do mundo
flutuante e uma das temáticas mais recorrentes deste movimento artístico. São
cenários comuns em peças de kabuki e
foram imortalizados nas pranchas de ukiyo-e
e na literatura popular. O fascínio que a sua estética singular provocou na
sociedade japonesa fez com se tornassem os epicentros da moda cortesã,
liderando as tendências.
Durante a
época dos Tokugawa, o bairro de Yoshiwara foi o maior e o mais proeminente
destes bairros. Foi inicialmente construído na zona atualmente designada como
Nihonbashi. O seu principal impulsionador foi Shôji Jin'emon, que obteve uma
licença do shogunato no ano de 1617, com o intuito que concentrar todos os
bordéis da cidade numa única área. Abrindo portas no ano seguinte, foi
inicialmente denominado como Ashihara,
cuja tradução literal é “campos dos juncos” e significa “campo do mal”. Mais
tarde, Jin’emon atribui-lhe o nome pelo qual o conhecemos hoje: Yoshiwara
(“campo da sorte”). A cultura popular foi prolífica em atribuir-lhe designações
eufemísticas: Geppon (“A terra da lua
nascente”), Karyûkai (“mundo das
flores e dos salgueiros”, Fuyajô
(“castelo sem noite”), entre outras. A partir de 1626, os escassos
remanescentes estabelecimentos autorizados de Sumichô foram recolocados em
Yoshiwara, pelo que o seu monopólio se tornou absoluto.
"Spring Scene at Naka-no-chô in the New Yoshiwara"; Gravura Ukiyo-e de Utagawa Hiroshige. |
Em 1657, as
labaredas do Grande Incêndio de Meireki consumiram aproximadamente dois terços
da capital imperial. Yoshiwara encontrava-se numa das áreas totalmente
arrasadas pelo cataclismo, pelo que foi estabelecida nova localização numa zona
mais marginal a norte de Asakusa, onde se mantem até hoje.
Os bordéis
e as casas de chá estendiam-se ao longo de quatro ruas, rodeadas por altas
muralhas de gesso e eram acessíveis apenas por um único portão, o sobrevivente
Yoshiwara-Ômon. A entrada com armas era interdita assim como as cavalgaduras e
as liteiras, excetuando em casos de prestação de socorro. No ambiente boémio do
mizo-shobai (eufemismo japonês para a
vida noturna) era frequente encontrar os hokan
(comediantes), pintores da Escola Kano, atores de kabuki, dançarinos, geishas e cortesãs. As procissões de cortesãs
eram aparatosos eventos nos quais a turbe se acotovelava por um vislumbre das
geishas mais exclusivas. As cortesãs acompanhadas da sua comitiva desfilavam
elegantemente pelas ruas, ostentando penteados e kimonos dispendiosos. Enquanto
as cortesãs de renome não necessitavam de exposição, as de menor estatuto eram exibidas
nos harimise dos salões de chá ou em
janelas com vista para a rua. Eram tipicamente dispostas em três filas e
apresentavam um espetáculo musical entre o pôr-do-sol e a meia-noite.
Numa fase
inicial, o contrato de uma cortesã tinha um limite máximo de 10 anos, no
entanto, em fases posteriores as durações foram aumentando. Um contrato típico,
por volta de 1800, era firmado pelo pai ou guardião legal de uma rapariga, que
era compensado com uma soma avultada (e.g. 25 ryô por um contrato de cinco anos).
A
frequentação dos yukaku podia ser
extraordinariamente onerosa. Para penetrar nos círculos mais restritos não era
apenas necessário despender largas somas de dinheiro mas também ter conexões
nas altas esferas da sociedade, assim como uma reputação de capital cultural.
No auge da projeção cultural do bairro, por volta de 1750, apenas os tsû, isto é, os clientes com maior
reputação de familiaridade com a etiqueta de Yoshiwara, podiam consultar as
cortesãs de maior estatuto. A primeira visita custava aproximadamente 10 ryô, uma soma exorbitante para a época,
que era repartida entre a cortesã e a sua numerosa comitiva de assistentes.
O apogeu da
influência cultural de Yoshiwara foi atingido no decurso do século XVIII quando
uma vaga de artistas e escritores lá encontraram um refúgio da frugalidade e da
rigidez do sociedade japonesa, estabelecendo-se nas suas imediações. Encontraram
inspiração no seu ambiente alternativo e nos seus frequentadores clientes e
patronos. Um dos mais notórios publicadores do período, Tsutaya Jûzaburô foi
aqui nascido e criado, enquanto o autor Santô Kyôden (1761-1816) aqui abriu a
sua tabacaria. A travessia de barco até ao bairro era imaginada como a jornada
simbólica entre o “inferno” da vida quotidiana e o “paraíso” de Yoshiwara. É
neste contexto que surge o eufemismo satírico do Geppon (“a terra da lua nascente”), que contrastava com o Nippon
(“a terra do sol nascente”).
O bairro
foi repetidamente atingido por incêndios (são conhecidas as datas de 1644,
1676, 1768, 1771, 1786, 1812, 1816, 1824, 1845, 1860, 1862 e 1866) pelo que
existe registo de ter sido recolocado pelo menos dezoito vezes em diversas
localizações temporárias ao longo do período Edo.
A partir de
1760, o bairro de Yoshiwara entra numa lenta e progressiva decadência. Já no
decorrer do século XX, o bairro é gravemente danificado por um incêndio e é
quase totalmente destruído pelo Grande Terramoto de Kanto, em 1923. Apesar dos
danos causados por estas catástrofes, permaneceu em funcionamento até a
prostituição ser ilegalizada pelo governo japonês após a Segunda Guerra
Mundial, em 1958.
LAC
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